Judith Godrèche, uma figura-chave no movimento francês do #MeToo, disse à France-Presse (AFP) que não acredita no julgamento através da comunicação social.

Num dos momentos mais simbólicos do Festival de Cannes, irá ao estrear uma curta-metragem sobre abuso sexual na quarta-feira.

A atriz e realizadora francesa foi uma das primeiras a acusar o famoso produtor de cinema norte-americano Harvey Weinstein e também acusou dois importantes cineastas franceses de abusarem dela quando era adolescente na década de 1980.

A preparar uma longa-metragem, ela falou à AFP sobre a sua curta Moi aussi ["Me Too"], que apresenta centenas de sobreviventes anónimos de abusos, dando-lhes um rosto perante as "fantasias" que acompanham a liberação da palavra sobre as agressões sexuais.

AFP: Qual era a ideia do seu filme, intitulado "Moi aussi"?

Judith Godrèche: Existe esta ideia de ‘Assim como tu, também vivi isto’, de uma ligação, de um eco. A ideia era dizer que têm o direito de vir, mesmo que não queiram ser filmadas, podem ficar de costas, ou desfocados. Estas pessoas parecem partilhar o mesmo sentimento de vergonha. Como transformar a vergonha? Não em orgulho, ninguém se orgulha de ter sido agredido sexualmente. Mas partilhar algo que todos possam dizer ‘Fizemos isto juntos e podemos estar orgulhosos’.

Por que trazer este filme a Cannes, um lugar muito simbólico, onde, antes de cair em desgraça, veio o produtor Harvey Weinstein, de quem também denunciou os seus estratagemas?

JG: O cinema tem uma função simbólica, quase divina. Ser atriz principal de um filme que vai a Cannes dá estatuto. Dizer que as pessoas anónimas que estão no filme serão os atores principais de um filme em Cannes: é esse estatuto que me interessa. (...) É também uma questão de iniciar um debate. Em última análise, só pode existir se o filme for exibido numa grande sala.

Colocou condições para a sua participação no certame, no que diz respeito à forma como o festival abordará a prevenção da violência sexual?

JG: Isso faz-me rir, a quantidade de fantasias que se projetam sobre mim. Passo os dias a ouvir se estou ciente disto, se fiz aquilo... tudo fantasia! Não tenho conhecimento de nada, ouço histórias de listas [de atores que seriam acusados ​​de agressão] da mesma forma que o meu vizinho. Não falei com [o delegado geral do festival] Thierry Frémaux de outra coisa que não fosse a hora da projeção.

Qual é a sua opinião agora sobre o movimento #Metoo na comunicação social?

JG: Há uma tomada de consciência crescente, mas às vezes as coisas são anunciadas de uma forma que parece excessivamente encenado. Não é muito espetacular ser vítima de abuso, não é engraçado, não é muito teatral. [As vítimas] deveriam entrar com uma ação judicial ou falar com um advogado, mas, ao contrário do que as pessoas possam pensar, não as aconselharia a irem falar com a imprensa. Já se demora tanto tempo a conseguir dizê-lo a nós mesmos quando nos acontece algo sério. Existem ansiedades que são reais e a razão pela qual as pessoas não conseguem falar é porque têm medo de perder o emprego. Portanto, não acho este tipo de circo muito produtivo. Cria medos em todos os sentidos, fantasias, ódios e desenvolve relações humanas que, no fundo, não são muito construtivas. Recolhi testemunhos que são 90% histórias de incesto. A realidade é esta: a sociedade não é só cinema.

Como reagiu à anulação da condenação de Harvey Weinstein?

JG: Foi muito violento. Felizmente, ainda está condenado na Califórnia. Mas sobretudo, dizem-me 'Como é que ele ainda tem dinheiro, quando sabemos quanto custam os advogados dos EUA?' Não consigo sequer imaginar as quantidades de dinheiro envolvidas, que outros nunca poderiam gastar gastar para se defenderem.