Cansados de uma situação de trabalho cada vez mais precarizado na era do streaming, os argumentistas de cinema e televisão entraram em greve por causa da "crise existencial" nos bastidores de Hollywood, uma fábrica de sonhos que maltrata a fonte das suas histórias.
"O que os estúdios estão a tentar fazer é basicamente transformar o nosso trabalho num trabalho temporário, o que impossibilita que os argumentistas tenham uma carreira", afirmou Sarah Fischer, ao lado de outros manifestantes à frente do estúdio Warner Bros. em Los Angeles.
Após trabalhar durante 10 anos como assistente - especialmente em grandes séries da Marvel, como "Os Agentes S.H.I.E.L.D."-, esta mulher de 30 anos acaba de ser aceite no sindicato Writers Guild of America (WGA).
A organização, que representa quase 11.500 argumentistas do setor, anunciou esta semana uma greve que não acontecia há 15 anos, após o fracasso das negociações com os estúdios de Hollywood e plataformas de streaming por melhores salários e condições.
Assim como outros argumentistas, Fischer está angustiada na sua busca por emprego porque as suas poupanças "estão a diminuir rapidamente".
No modelo televisivo tradicional, os argumentistas eram contratados para trabalhar em séries compostas por 20 ou mais episódios por temporada. Esta condição permitia trabalhar uma boa parte do ano, mas o cenário virou de cabeça para baixo com a chegada das plataformas de streaming.
Agora, as temporadas podem ter apenas seis a oito episódios, o que torna o trabalho cada vez mais escasso e as equipas de argumentistas menores.
Fischer contou que tem "amigos que vieram de programas de sucesso e que estão literalmente a conduzir Ubers ou a passear com cães (...) só para aguentarem até ao fim do mês".
Direitos de autor
A profissão sempre lutou com a natureza inconstante das produções de Hollywood, mas agora "já não é mais uma carreira sustentável", afirmou Brittani Nichols, de 34 anos, argumentistas da série de sucesso "Abbott Elementary".
Esta escritora denuncia o descarrilamento dos "direitos residuais" de autor que são adicionados ao salário dos argumentistas a cada reexibição da obra.
Embora possam ser pagamentos muito elevados para programas exibidos em canais de televisão tradicionais - alavancados pela publicidade -, estes são muito baixos quando uma série é exibida em plataformas de streaming, que não partilham números de audiência.
Assim, a reserva financeira que permitia que os profissionais sobrevivessem a períodos de inatividade quase desapareceu, explica Nichols.
Depois de 10 anos neste serviço, a remuneração que recebe pelo uso das suas obras em plataformas de streaming tem valores inacreditáveis. "Não é quase nada. Talvez possa comprar uma fatia de pizza", lamenta.
A argumentista afirma que "todos os programas em que trabalhei, escrevi por seis, oito, dez semanas, e isso não é suficiente para aguentar um ano inteiro em Los Angeles".
O salário mínimo para um "argumentista da equipa", o menor nível na tabela do sindicato, é de 4.500 dólares por semana (pouco mais de quatro mil euros, à cotação do dia).
Consultados pela Agência France-Presse, muitos argumentistas afirmaram não conseguir muitas semanas de trabalho por ano.
Com o advento do streaming, o trabalho ficou mais precário. De acordo com os números da WGA, quase metade dos argumentistas de televisão receberam em 2022 o salário mínimo estabelecido pelo sindicato, contra apenas um terço em 2014.
A cultura de Silicon Valley
Até mesmo os mais experientes sentem a pressão financeira. Alguns argumentistas, como Adam Pava, afirmam que Hollywood foi contaminada pela cultura de Silicon Valley, sede da Netflix e do Uber.
Aos 48 anos, Pava recentemente teve que negociar duramente com um estúdio que ofereceu um contrato que era 150 mil doláres (cerca de 136 mil euros) abaixo do valor recebido pelo último filme anterior.
O transição para o streaming fez com que "os executivos se inspirassem mais nos costumes do mundo da tecnologia do que no velho mundo de Hollywood", lamenta.
"No passado, a missão dos estúdios era fazer grandes filmes. Hoje eles procuram acalmar os acionistas", acrescenta.
Os grevistas estão furiosos com os executivos dos estúdios que, culpando a pressão de Wall Street para procurar lucros cada vez maiores, estão a cortar empregos - como as sete mil pessoas que serão despedidas da Disney.
"São tempos difíceis, (...) mas tudo é fruto da ganância da indústria", denuncia Danielle Sanchez-Witzel, da WGA, ao lembrar que as exigências do sindicato representam só "2% dos lucros" dos estúdios.
"Só exigimos a nossa parte daquilo que criamos", clama em nome dos argumentistas.
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