Quando a argumentista canadiana Durga Chew-Bose foi convidada a escrever uma nova adaptação cinematográfica de "Bom Dia, Tristeza", o romance de sucesso de Françoise Sagan, de 1954, aproveitou a oportunidade, indo além da página para oferecer conselhos sobre o guarda-roupa e a banda sonora.
No fim de contas, acabou por também ser convidada para dirigir a sua primeira longa-metragem - uma versão moderna do clássico conto de Sagan sobre riqueza, tédio, excesso e traição no sul ensolarado da França -, que teve antestreia mundial na quinta-feira no Festival de Cinema de Toronto.
Chloe Sevigny, Claes Bang e Lily McInerny são as protagonistas da história da entediada adolescente burguesa Cecile (McInerny), que destrói o seu verão idílico ao conspirar para destruir a nova namorada de seu pai, Anne.
As ações de Cecile têm consequências imprevistas que alteram a vida das pessoas à sua volta, incluindo o seu pai Raymond (Bang), a sua amante abandonada Elsa (Nailia Harzoune) e Anne (Sevigny), uma amiga próxima da falecida mãe de Cecile.
Chew-Bose, 37 anos, diz que queria explorar particularmente as relações entre as mulheres, as mentiras que contam umas às outras e como exercem o seu poder.
Uma cena específica com Cecile, Elsa e Anne à mesa no pequeno almoço, está cheia de tensão silenciosa.
"A minha visão estava muito forte na minha própria cabeça e só precisava dizê-la em voz alta", disse Chew-Bose à France-Presse (AFP) numa entrevista antes da estreia do seu filme.
“Estas mulheres estavam realmente vivas na minha imaginação por algum motivo”, notou.
A contratação de Chew-Bose para dirigir o filme – em inglês com excertos de francês – não foi uma escolha óbvia, dada a sua falta de experiência.
Mas as produtoras Katie Bird Nolan e Lindsay Tapscott, disseram que assim que viram o seu argumento, souberam que era a única que lhe poderia dar vida.
“Desde o primeiro rascunho, era muito visual”, disse Tapscott, de 42 anos, à AFP. “Havia escolhas musicais, figurinos, design de produção. Era tão claro que tinha uma visão de realização do filme.”
Muito radical
Nolan e Tapscott passaram quase oito anos a trazer “Bonjour Tristesse” – que foi adaptado ao cinema por Otto Preminger em 1958 – de volta ao grande ecrã.
Nolan, 35 anos, admitiu que entrou na “toca do coelho” para aprender tudo o que pudesse sobre Sagan, que morreu em 2004.
“Mesmo tendo sido escrito em 1954... havia algo que ainda parecia muito radical no livro. Cecile está a agir puramente de acordo com os seus próprios desejos, pegando exatamente o que quer, como quer, quando quer", diz Tapscott.
Parte dessa longa jornada envolveu garantir os direitos audiovisuais do livro dos editores de Sagan e obter a bênção da sua família.
Denis Westhoff, filho da autora e produtor executivo do novo filme, explicou que havia duas propostas concorrentes, mas que Nolan e Tapscott o impressionaram com o seu “entusiasmo, interesse, curiosidade e profundo desejo de fazer o filme”.
A dupla canadiana “planeou realmente manter o espírito do livro”, disse à AFP.
Com a sua linguagem fria e lacónica, "Bom Dia, Tristeza" captou o espírito da década de 1950 - e tornou-se um 'best-seller' internacional, catapultando Sagan, que era adolescente quando o escreveu, para uma vida de riqueza, fama e excessos.
No filme, Sevigny dá um toque sedutor à estilista Anne, cuja ligação com Raymond derruba os ideais juvenis de Cecile - e termina em tragédia.
Espírito intrépido
O filme, rodado na cidade francesa de Cassis, examina as inseguranças de Cecile e as suas tentativas de abraçar a idade adulta, tanto no seu relacionamento com o pai e as suas amantes, como na sua paixão de verão com um adolescente local.
Para Chew-Bose, os temas do livro são tão relevantes como eram há 70 anos.
“Acho que o retrato de uma jovem que luta contra a maioridade, mas também com os muitos impasses que surgem nesse momento da vida... é muito moderno e muito contemporâneo”, nota.
Chew-Bose disse que espera que o filme aumente a consciencialização sobre Sagan e leve os espectadores a ler o seu romance curto, mas poderoso.
“Acho que uma nova geração também deveria estar muito consciente de quem foi Françoise Sagan e de quão extraordinário foi que, na sua idade, ela tenha escrito este livro e que tenha tido a coragem de ter este tipo de voz e este espírito intrépido", explica.
Westhoff observou que embora a sua mãe “não se importasse de todo com a posteridade”, ele pensou que ela ficaria “lisonjeada em saber que o seu trabalho ainda estava vivo”.
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