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(Atualizado às 23h50 com reações)
Francis Ford Coppola é um dos cineastas americanos mais venerados, conhecido por ser o autor da épica saga mafiosa "O Padrinho" e de um dos filmes de guerra de maior impacto da história, "Apocalypse Now".
Aos 85 anos, ele gerou grande expectativa no 77.º Festival de Cannes, onde apresentou o seu filme "Megalopolis" esta quinta-feira, na disputa pela Palma de Ouro, onde recebeu uma ovação de sete ou dez minutos, dependendo das versões da Variety ou da revista The Hollywood Reporter, embora a France-Presse note que alguns presentes não tenham demonstrado muito entusiasmo. Foi um tempo que aproveitou para dar um abraço a cada um dos atores presentes, incluindo Adam Driver, Nathalie Emmanuel, Aubrey Plaza e Giancarlo Esposito.
Uma obra-prima ou uma história caótica? Reconhecendo a ambição e audácia, a imprensa parecia dividida antes e depois da cerimónia de gala. Alguns jornalistas que estiveram em exibições anteriores vaiaram e outros aplaudiram, constatou a France-Presse.
A passadeira vermelha juntou uma constelação de Hollywood. O veterano cineasta chegou com um chapéu de palha e uma bengala na mão, ao lado da sua neta, Romy Mars, filha da também cineasta Sofia Coppola. A acomanhá-lo estiveram ainda atores como Jon Voight, Shia Labeouf e Laurence Fishburne, entre outros.
O DESFILE DAS ESTRELAS.
"Megalopolis" conta os esforços de um arquiteto (Driver) ambicioso para fazer renascer Nova Iorque, enquanto enfrenta a oposição do presidente da câmara (Giancarlo Esposito).
Mas Coppola traça a história como uma parábola: Nova Iorque como a Roma republicana, os EUA como um império em decadência.
As alusões à história clássica do Império Romano são constantes, especialmente à história de Catilina, um político com uma reputação sangrenta que viveu entre 108 e 62 a.C.
E também há monólogos de Shakespeare, um pouco de latim, combates de gladiadores, reflexões sobre a história norte-americana, números musicais e um truque inesperado, uma artimanha que só poderia sair do chapéu de um génio, e que tornam "Megalopolis" um filme realmente difícil de distribuir pelo mundo todo.
A imprensa especializada de Hollywood tinha relatado a perplexidade dos distribuidores que assistiram ao filme de pouco mais de duas horas antes de Cannes.
Ainda assim, a rede de cinemas Imax, especializada em ecrãs de grande formato, anunciou na quinta-feira que está disposta a apresentá-lo em todo o mundo.
Nada pela metade
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Coppola garantiu em entrevistas que pensa nesta obra há 40 anos, que já reescreveu diversas vezes.
“Queria fazer um filme sobre a forma como um ser humano expressa o divino”, declarou há cinco anos.
"Diria que é o filme mais ambicioso em que trabalhei, mais do que 'Apocalypse Now'", disse o cineasta de 85 anos.
Há um mês, Coppola perdeu a esposa, Eleanor, o seu apoio inabalável há mais de seis décadas, também neste último projeto, que o cineasta lhe dedica e pode ser o seu canto do cisne.
Coppola esteve na vanguarda do movimento conhecido como a Nova Hollywood nas décadas de 1960 e 1970, ao lado de outros gigantes do cinema, como Steven Spielberg e Martin Scorsese. Juntos, desafiaram os limites dos grandes estúdios, que dominavam a indústria cinematográfica há décadas.
Esse ítalo-americano criado no distrito de Queens, em Nova Iorque, é conhecido por ser combativo, difícil e, às vezes, frustrado pela sua própria ambição. Aos 36 anos, já tinha cinco Óscares.
Uma infância solitária
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Nascido a 7 de abril de 1939 em Detroit, poucos meses antes de começar a Segunda Guerra Mundial, Coppola é filho de um músico e uma atriz.
Na infância, ficou confinado na sua cama pela poliomielite e desenvolveu a sua imaginação criando espetáculos de marionetas e experimentando com filmes de 8 mm.
Coppola formou-se em Teatrologia na Universidade de Hofstra, em Nova Iorque, e depois fez pós-graduação na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA).
Foi lá que conheceu o rei dos filmes B, Roger Corman, recentemente falecido, que lhe deu a sua primeira oportunidade de dirigir com "Demência 13" (1963), um filme de culto.
Começou a trabalhar como argumentista e obteve o seu primeiro sucesso significativo em 1968 com "O Vale do Arco-Íris" (1968), uma adaptação de um musical da Broadway que tinha no elenco Fred Astaire e Petula Clark.
Porém, desconfiado da influência dos grandes estúdios, que considerava muito conservadores, Coppola, juntamente com George Lucas - que mais tarde faria "Star Wars" - fundou a sua própria produtora, a American Zoetrope, em 1969.
Um ano depois, colaborou no argumento de "Patton" (1970) e conquistou o seu primeiro prémio da Academia na nessa categoria.
A máfia e o Vietname
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O seu grande golpe cinematográfico veio em 1972: "O Padrinho", uma epopeia sobre a família do crime Corleone, adaptada do sucesso literário de Mario Puzo.
Filmar a longa-metragem não foi fácil. Coppola teve que lutar para conseguir concretizar a sua visão e resistir à pressão das "Cinco Famílias" de Nova Iorque, as principais fações do crime organizado, que queriam eliminar as palavras "máfia" e "Cosa Nostra" do argumento.
O elenco tornou-se uma das lendas do cinema: Marlon Brando, Al Pacino, Robert Duvall, James Caan e Diane Keaton.
O filme ganhou três Óscares: Melhor Filme, Ator (Brando) e ArgumentoAdaptado (Coppola e Puzo).
De seguida, vieram o suspense psicológico de "O Vigilante", com Gene Hackman, vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 1974, e "O Padrinho:Parte II", que recebeu seis estatuetas douradas, três delas para o próprio Coppola, incluindo a de Melhor Filme.
Com Hollywood aos seus pés, o cineasta assumiu então o que seria seu projeto mais difícil.
"O meu filme é o Vietname"
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"Apocalypse Now" é uma reinvenção do romance de Joseph Conrad "O Coração das Trevas" pelo prisma da guerra do Vietname.
"O sucesso de 'O PAdrinho' subiu à minha cabeça como uma lufada de perfume", diria Coppola ao The New York Times em 1988.
"Pensei que nada poderia dar errado", confessou.
A realização do filme foi um inferno. Estendeu-se por muito tempo e ultrapassou o orçamento. O ator Martin Sheen, que sofria de alcoolismo, tentou agredir Coppola durante uma cena e acabou por sofrer um ataque cardíaco.
Brando, com excesso de peso e ainda com mais manias, ameaçou suicidar-se. Um tufão destruiu todos os cenários e adereços.
"O meu filme não é sobre o Vietname, é o Vietname", declarou o cineasta na época e para a posteridade.
Acabou por investir 16 milhões de dólares do próprio bolso para concluir a obra. Ganhou uma segunda Palma de Ouro no Festival de Cannes e, nos Óscares, venceu duas das oito nomeações que recebeu.
Trabalhos recentes
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Embora Coppola possa ter desfrutado dos seus maiores sucessos na década de 1970, ele permaneceu uma figura proeminente e de referência no cinema por muito mais tempo.
Nos anos 1980, apresentou ao mundo uma geração de jovens atores - Tom Cruise, Rob Lowe, Patrick Swayze, Matt Dillon, Diane Lane, C. Thomas Howell, Ralph Macchio, Emilio Estevez - em "Os Marginais" (1983) e "Juventude Inquieta" (1983), antes de fazer recordar os seus melhores tempos com "Tucker - O Homem e o seu Sonho" (1988).
Na década seguinte, voltou aos Corleone com "O Padrinho - Parte III" (1990) e dirigiu Anthony Hopkins, Gary Oldman, Keanu Reeves e Winona Ryder no barrico "Drácula de Bram Stoker" (1992), a sua versão da história do famoso vampiro, aplaudida pela crítica.
Depois de um período relativamente tranquilo na década de 2000, durante o qual recebeu um Óscar honorário, voltou ao desenvolvimento de sua épica utopia "Megalopolis", que foi adiada durante muito tempo.
Coppola é talvez o membro mais reverenciado de uma prolífica família comprometida com o cinema: o seu pai Carmine, a sua irmã Talia Shire, a sua filha Sofia e seu filho Roman envolveram-se no mundo do entretenimento.
Três gerações dos Coppola - o seu pai compositor, ele mesmo, Sofia e o seu sobrinho Nicolas Cage - são vencedores do Óscar.
Nos últimos anos, o cineasta dedicou-se também a outra paixão, o vinho, comprando vinhedos no Vale de Napa, na Califórnia. Propriedades que precisou dar como garantia para realizar "Megalopolis", novamente do seu bolso: 120 milhões de dólares.
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