Uma comédia protagonizada por atores com deficiência, consolidou-se como o maior sucesso do cinema francês desde o início da pandemia de COVID-19, com cinco milhões de espectadores em apenas um mês nas salas até ao último sábado.

"Un p'tit truc en plus" ["Uma coisinha extra", em tradução livre], já o maior visto este ano, à frente do 'blockbuster' norte-americano “Dune: Parte Dois”, superou “Astérix & Obélix: O Império do Meio”, de Guillaume Canet, o maior sucesso francês nos cinemas desde a crise sanitária, que atraiu 4,6 milhões de espectadores em 2023 com um orçamento muito superior.

A sua distribuidora, Pan Distribution, anunciou na conta no Instagram que atingiu a marca e agradeceu ao público "cinco milhões de vezes" pelo apoio.

Apanhando a indústria francesa de surpresa, o filme ainda sem estreia anunciada em Portugal que toma a posição de rir com os deficientes e não às suas custas é de Artus, de 36 anos, que foi cozinheiro antes de se tornar comediante, ator e agora realizador.

Pai e filho no ecrã, Clovis Cornillac e Artus interpretam dois criminosos que, para fugir à polícia, se escondem num acampamento de verão para jovens com deficiência mental. Artus faz-se passar por pensionista e Clovis Cornillac como o seu educador social especializado.

Tempos que provocam certa ansiedade

A atriz Marie Colin desfila à frente de outros atores do filme na passadeira vermelha do Festival de Cannes

Cerca de dez atores amadores com deficiência dão réplica ao elenco profissional, completado, entre outros, por Alice Belaïdi, trazendo aquela 'coisinha extra' a que se refere o título, o que, no entanto, deixou de pé atrás alguns produtores cautelosos, segundo Artus.

Este sucesso de bilheteira soa como uma vingança para esta figura do humor, de nome verdadeiro Victor-Artus Solaro, que não poderia ter sonhado com nada melhor para a sua primeira longa-metragem atrás das câmaras.

“Nestes tempos que provocam certa ansiedade, este é um filme para entreter” e que nos permite descobrir “uma população que não vemos com frequência”, disse o realizador para explicar esta corrida às salas.

O seu triunfo lembra o do drama "O Oitavo Dia" (1996), protagonizado por Daniel Auteuil e o ator com Síndrome de Down Pascal Duquenne, e está em linha com os sucessos de “Amigos Improváveis” (2011), com Omar Sy e François Cluzet , e “A Família Bélier” (2014), com a cantora Louane, cuja versão norte-americana, "CODA - No Ritmo do Coração" (2021), ganhou o Óscar de Melhor Filme.

"Amigos Improváveis"

“Amigos Improváveis” também será relançado nos cinemas em francês e com legendas em inglês no dia 31 de julho, anunciou a Gaumont na sexta-feira, por ocasião dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Paris, que começam a 26 de julho.

Com 19,5 milhões de espectadores em França e 51 milhões em todo o mundo, essa longa-metragem de Eric Toledano e Olivier Nakache é o terceiro maior sucesso de bilheteira de sempre no país, atrás de “Titanic” (1997, 22,3 milhões de entradas) e “Bem-vindo ao Norte” (2008, 20,5 milhões), de e com Dany Boon.

Escadarias acessíveis

As associações que trabalham para pessoas com deficiência também receberam bem "Un p'tit truc en plus", acreditando que representa uma pequena “pedra” bem-vinda na tentativa de melhorar a sua situação.

À margem do Festival de Cannes, onde a equipa de cinema fez uma extravagante subida à escadaria do Palais des Festivals a 22 de maio, personalidades do cinema como Léa Drucker, Alexandra Lamy, Eric Toledano e Olivier Nakache assinaram uma carta-aberta, no 'site' do jornal Libération, apelando a uma “reforma do estatuto dos trabalhadores intermitentes na indústria do entretenimento na direção dos artistas com deficiência” no cinema e na televisão.

Mas o caminho para a integração ainda é longo. Ao subir as escadas, Artus teve que carregar um dos seus atores, Sofian Ribes, que usa cadeira de rodas.

“Já não é aceitável ver este tipo de imagens, é um atentado à dignidade da pessoa ter que ser levada ao colo”, reagiu a secretária de estado responsável pelas Pessoas com Deficiência, Fadila Khattabi, no jornal Nice-Matin.

“No próximo ano, as escadas devem ser acessíveis às pessoas com deficiência. Não cabe a elas adaptarem-se à sociedade, cabe à sociedade como um todo adaptar-se a elas”, insistiu.