Morreu Donald Sutherland, o ator com um rosto inconfundível e o olhar "louco" capaz de ser convincente em todas as personagens e géneros, do drama aos filmes de guerra, passando pelo "thriller", terror ou ficção científica.

A sua morte em Miami, aos 88 anos, após uma longa doença, foi confirmada pelos seus representantes esta quinta-feira.

Foi também anunciada por um dos seus filhos, o também ator Kiefer Sutherland.

“É com um coração pesado que vos digo que o meu pai, Donald Sutherland, morreu. Pessoalmente, acho que foi um dos mais importantes atores da história do cinema”, pode ler-se numa mensagem partilhada nas redes sociais.

No mesmo texto, o ator prossegue: “Nunca intimidado por um papel, bom, mau ou feio. Amava o que fazia e fazia o que amava, e ninguém pode pedir mais do que isso. Uma vida bem vivida”.

A MENSAGEM NAS REDES SOCIAIS.

Uma improvável estrela desde "Doze Indomáveis Patifes" (1967) e que passeou a sua classe ainda há poucos anos pela saga "The Hunger Games" (2012-2015), que o apresentou a uma nova geração de espectadores, o ator de origem canadiana festejaria mais um aniversário a 17 de julho e deixa um balanço que impressiona: mais de 150 filmes e muita televisão.

Trabalhou praticamente até ao fim: vimo-lo nas minisséries "The Undoing" (2020, plataforma Max), "Swimming with Sharks" (2022, Amazon Prime Video) e "Lawmen: Bass Reeves" (2023, SkyShowtime), e nos filmes "Moonfall - Rota de Colisão" e "Mr. Harrigan's Phone" (ambos de 2022).

"A minha vida é trabalhar. O trabalho de um ator é trabalhar e esperar pelo papel seguinte. Adoro trabalhar", dizia durante uma homenagem no Festival de San Sebastian em 2019, acrescentando com humor que não podia parar porque "não tenho muito dinheiro e tenho muitas bocas para alimentar".

Nascido a 17 de julho de 1935 no Canadá, Donald Sutherland estudou engenharia e começou pelo teatro em Toronto antes de decidir ir para a Inglaterra em 1957, onde teve papéis irrelevantes em séries no início dos anos 1960 e secundários em alguns filmes de terror, como "Terror no Castelo dos Mortos-Vivos" (1964), "O Comboio Fantasma" e "Fanatic" (ambos de 1965).

Com 31 anos e sem carreira de impacto, o momento de viragem foi quando produtores o viram na versão inacabada de um episódio de "O Santo" e o chamaram à última hora para substituir outro ator como um dos... "Doze Indomáveis Patifes".

Doze Indomáveis Patifes

Rodado na Inglaterra, o filme de Robert Aldrich, o quinto mais rentável de 1967, onde apareceu ao lado de atores populares como Lee Marvin, Charles Bronson e Telly Savalas, levou-o para Hollywood. E uma cena, aquela em que finge ser um general a inspecionar tropas, foi a razão para Robert Altman o escolher para ser Hawkeye Pierce em "M*A*S*H" (1970), que o tornou uma estrela internacional no mesmo ano em que entrou noutro filme popular, "Heróis por Conta Própria".

A partir daí e já como protagonista, trabalhou muito, aparecendo muitas vezes em dois e três filmes por ano, adaptando-se a todas as peles e géneros.

Muitas das escolhas da sua carreira, incluindo "Doze Indomáveis Patifes", já eram manifestações de um ativismo político que se revelou de forma mais visível na década de 1970 na oposição à Guerra do Vietname ao lado de Jane Fonda, com quem manteve uma relação durante a produção de "Klute", atividade que, viria a descobrir-se só em 2017, fez que que a CIA pedisse para que fosse colocado sob vigilância entre 1971 e 1973.

Além de "Klute" (1971), os melhores filmes desta fase foram "Aquele Inverno em Veneza" (1973), "Casanova de Fellini" (1976), "1900" (1976), "Voo das Águias" (1976), " A República dos Cucos" (1978), "A Invasão dos Violadores" (1978), "Gente Vulgar" (1980) e "O Buraco da Agulha" (1981), às ordens de Alan J. Pakula, Nicolas Roeg, Federico Fellini, Bernardo Bertolucci ou Robert Redford.

Considerado um dos melhores atores de sempre a nunca ter sido nomeado para um Óscar competitivo (recebeu uma estatueta honorária em 2017), continuou imparável, como protagonista ou secundário de prestígio, mas só no final dos anos 1980 com projetos de mais impacto.

Esta foi a fase de "Assassinato Sob Custódia" (1989), "Prisioneiro" (1989), "JFK" (1991), "Mar de Chamas" (1991), "Seis Graus de Separação" (1993), "Outbreak - Fora de Controlo" (1995), "Tempo de Matar" (1996), "Sem Limites" (1998), "Space Cowboys" (2000), "Um Golpe em Itália" (2003), "Cold Mountain" (2003), "Orgulho e Preconceito" (2005), que intercalou com um regresso à televisão para o aclamado telefilme "Citizen X" (1995), as séries "Senhora Presidente" (2005-2006), "Sexo, Dinheiro e Poder" (2007-2009), "Crossing Lines (2013-2015) e as minisséries "Os Pilares da Terra" (2010), "Trust" (2018) e "Ad Astra" (2019).

OS GRANDES MOMENTOS NA CARREIRA DE DONALD SUTHERLAND.

 

Já uma lenda do cinema, a sua experiência e prestígio encaixaram em cheio para o tornar convincente no seu papel mais conhecido e popular da última década, como o Presidente Snow na saga "The Hunger Games: Os Jogos da Fome" (2012-2015).

Ainda no Festival de San Sebastian em 2019, partilhou com os jornalistas que não tinha como escolher um filme favorito na sua impressionante carreira, mas acabou por acrescentar um "embora realmente tenha adorado trabalhar com Federico Fellini".

Outra pista pode encontrar-se num pormenor pouco conhecido, o de que, com exceção da filha Rachel, os quatro filhos terem o nome de quatro realizadores: o ator Kiefer Sutherland recebeu-o de Warren Kiefer, que o dirigiu, sob o pseudónimo Lorenzo Sabatini, no primeiro filme ("Terror no Castelo dos Mortos-Vivos"); o executivo de cinema Roeg Sutherland veio de Nicolas Roeg ("Aquele Inverno em Veneza); o ator Rossif Sutherland vem do amigo pessoal, o realizador de documentários francês Frédéric Rossif; e o ator e produtor Angus Redford homenageia Robert Redford ("Gente Vulgar").