A neve desapareceu nas ruas de Otava, mas nem o visco ou os abetos: na primavera, as filmagens acontecem na capital canadiana, onde são feitos um terço dos filmes de Natal exibidos anualmente na América do Norte.

Incentivos fiscais, ambientes que lembram pequenas ou grandes cidades americanas: Otava atrai todos os anos uma dezena de produções.

O sucesso destes filmes de Natal explodiu nos últimos anos, num contexto marcado pela pandemia e pelos conflitos no mundo, segundo Sandrine Pechels de Saint Sardos, comissária de cinema de Otava.

“As pessoas queriam coisas que as fizessem sentir-se bem. E os filmes de Natal existem para isso. É um escapismo, um conteúdo reconfortante”, disse esta especialista, acrescentando que “permitem que a família se junte” em momentos pacíficos sem violência.

No subúrbio de Almonte, na grande Otava, num dia ensolarado de primavera, a neve surgiu, assim como os Pais Natal do lado de fora dos cafés da rua principal. Estão a rodar aí mais um filme, "Hocus Pocus Christmas".

Neve de algodão

“Aqui parece uma pequena cidade americana, como aquela onde cresci na Pensilvânia”, diz a realizadora norte-americana Marita Grabiak.

“A história principal é sempre a de um homem e uma mulher que se apaixonam ou que se tornam grandes amigos”, acrescenta esta profissional que filma na região há seis anos. Os enredos decorrem em cidades pequenas pelos valores que transmitem: simplicidade, trabalho duro e ajuda mútua.

Filmar no inverno durante uma tempestade de neve pode resultar em “cenas absolutamente belas”, entusiasma-se por detrás dos óculos escuros. Mas o frio extremo danifica os equipamentos de cinema, por isso é preciso adaptar-se.

Responsável pela criação da ilusão, Mathieu Bissonnette-Bigras, supervisor de efeitos especiais, tem a missão de “enganar o olhar” do espectador.

“Muitas vezes são os locais pequenos que vão tornar o efeito mais realista”, acredita, aplicando espuma, papel e algodão para criar neve na porta de uma loja.

No set, nada é fácil.

“Se estiver muito quente, a espuma derrete... Se estiver muito vento, vai tudo embora”, explica a produtora Josie Fitzgerald.

As cenas serão depois retocadas na pós-produção.

Parkas com 30 graus

"É divertido e giro! As pessoas do filme colocam toda esta neve falsa e muitas decorações de Natal", diz Hannah, 9 anos, que está a andar com a mãe.

A residir em Almonte desde 2016, Kim Nixon estima ter visto “entre 15 e 20” rodagens de filmes de Natal, e até o ator norte-americano Justin Hartley (“This is Us”).

Para um deles, em julho passado, “graças à decoração, teríamos pensado que estávamos em meados de janeiro”, afirma.

“Foi realmente algo para se ver”, enfatiza.

Mas “senti pena dos atores que usavam parkas num clima de 30 graus”, sorri Nixon.

Nos últimos anos, Hallmark, Lifetime, Oprah Winfrey Network, entre outros, gastaram mais de 50 milhões de dólares canadianos (33,7 milhões de euros) por ano para rodar filmes em Otava.

Os canais são atraídos por um generoso crédito fiscal que cobre 45% dos custos laborais, ou 10% a mais do que nos principais centros de produção cinematográfica do Canadá, em Toronto e Vancouver.

E depois, “há um efeito 'uau' aqui”, diz Sandrine Pechels de Saint Sardos, referindo-se à arquitetura do Château Laurier, o Canal Rideau, as ruas pavimentadas, os parques naturais e as aldeias pitorescas que substituem as pequenas cidades americanas.