Num novo filme de comédia que desafia a persistente homofobia na Ucrânia, um ativista tranquiliza uma família perplexa que o acolhe, dizendo: “Sou gay, não um marciano”.
O filme, com o título internacional "Lessons of Tolerance" ["Lições de Tolerância"], mostra o que acontece quando uma família com opiniões anti-gay instintivas concorda em participar num programa governamental para a integração europeia.
Em troca de contas de energia mais baratas, eles têm que hospedar um homem gay durante três semanas enquanto ele tenta mudar as suas atitudes.
A premissa pode ser absurda, mas reflete esforços reais para mudar preconceitos arraigados contra as pessoas LGBTQ e combater a discriminação enquanto a Ucrânia procura aderir à UE.
A guerra também estimulou a Ucrânia a diferenciar-se da Rússia, a ex-vizinha soviética, que proíbe a 'propaganda' LGBTQ.
A agência estatal de cinema do país ajudou a financiar o filme de baixo orçamento rodado durante a guerra, doando-lhe o equivalente a cerca de 81 mil dólares [quase 75 mil euros, à cotação do dia].
Mas num sinal de que a homofobia continua a ser uma questão viva, ativistas de grupos ultranacionalistas, incluindo o Prava Molod [Juventude de Direita], fizeram piquetes na cidade oriental de Kharkiv e em Kiev, gritando: 'Dinheiro para o exército, não para propaganda LGBT!"
Um agressor mascarado espalhou graffitis hostis, incluindo uma cruz ortodoxa e símbolos neonazis, no cinema da capital October, quando foram colocados cartazes do filme.
O que irão dizer os vizinhos?
“O nosso filme é muito relevante e o que foi pintado nas paredes do cinema October é a prova disso”, disse o realizador Arkadiy Nepytaliuk ao público do badalado cinema.
Filmado em nove dias num apartamento sujo de estilo soviético, o filme de Nepytaliuk tem muitas piadas mais 'pesadas'.
Mas o filme também dá uma ideia de como a homofobia é uma forma de extravasar a raiva pelas pessoas deixadas para trás pelas mudanças sociais e económicas.
No filme, a família teme a chegada do seu convidado gay, Vasyl.
"O que dirão os nossos vizinhos e nossos familiares?" preocupa-se o pai, Zenyk, um motorista desempregado.
O seu filho Denys, que dirige uma oficina de automóveis falida, avisa que eles estão “a vender-se por dinheiro”.
Mas Vasyl apanha a família de surpresa porque ele não parece 'camp'.
“Onde está o homossexual? Ele vem amanhã?” pergunta Zenyk enquanto está à porta do apartamento.
Mas felizmente Vasyl tem um passe confirmando a sua orientação.
Quando o filho Denys deixa escapar que gostaria de colocar todos os gays atrás de "um muro de betão para que ninguém pudesse sair", Vasyl simplesmente elogia a sua honestidade.
Rapidamente Vasyl surge a ensinar a família a apreciar ioga, massagens e sushi, e até dá um beijo num dos membros.
"Deem-me o número do Vasyl!", gritou um membro do público numa sessão esgotada em Kiev.
Incompreendido
"O filme pode ajudar. Pelo menos chama a atenção para isso", disse Nepytaliuk à France-Presse.
“Uma pessoa que sente homofobia irá reconhecer-se a si mesmo e o que pensa nas personagens do filme, e começará a refletir sobre isso: ‘Por que faço isto? O que faria nesta situação?'.
Na noite da sessão no cinema October, Nepytaliuk disse que a polícia estava a patrulhar o interior e o exterior.
O cinema tem motivos de preocupação porque manifestantes incendiaram-no em 2014 por exibir um filme francês sobre travestis masculinos.
Os espectadores do público disseram que os manifestantes entenderam mal a mensagem do filme.
“É apenas uma questão de família, de relacionamentos”, disse Oleksandra, uma jovem cineasta de Mariupol.
“Algumas pessoas disseram que é propaganda LGBT – absolutamente não!” disse Ylona Boiko, atriz e professora de oratória.
"Para mim, é sobre amor e entes queridos."
As pesquisas de opinião realizadas pelo Instituto Democrático Nacional da Ucrânia revelaram que o apoio à igualdade jurídica para as pessoas LGBTQ aumentou de 54% em agosto de 2022 para 72% em novembro de 2023.
Yuriy, um voluntário de 23 anos que arrecada donativos para o exército, disse acreditar que o filme pode mudar a opinião das pessoas, após ele próprio ter passado pelo mesmo.
Crescendo numa cidade pequena, ele disse que era “um radical que odiava gays” até ir para a universidade em Kiev e conhecer um colega que era gay.
“Percebi que realmente quero voltar para a minha pequena cidade e mostrar este filme aos meus pais, que uma vez me ensinaram que gays e lésbicas e aqueles que são trans e bi são pessoas más”, disse.
“Acho que isso está errado e quero que o maior número possível de pessoas desinformadas vejam este filme”, anunciou.
Comentários