"Depois do silêncio, o que mais se aproxima da maneira de expressar o inexprimível é a música", dizia Aldous Huxley. A frase do autor de "Admirável Mundo Novo" parece continuar a ter ressonância nos dias de hoje, já que foi o mote para a criação do The September Concert, iniciativa que organiza, desde 2002, concertos em memória do 11 de setembro em várias cidades.
Este ano, estão previstos cerca de 100 espetáculos não só nos EUA mas também no Japão, Rússia, Inglaterra, Polónia, México ou Itália. Sempre de entrada livre e funcionando num regime de voluntariado, a iniciativa tenta alargar o número de palcos e convida, no site da The September Concert Foundation, à organização de mais concertos noutras cidades.
Três concertos históricos
The September Concert acabou por dar continuidade à ideia de America: A Tribute to Heroes, que decorreu em estúdios de Nova Iorque, Los Angeles e Londres dez dias após os atentados. Organizada numa transmissão televisiva ininterrupta, emitida em quatro canais norte-americanos, juntou atuações de 21 artistas - num palco iluminado por centenas de velas - e depoimentos de várias celebridades.
Concebida pelo produtor Joel Gallen e pelo ator George Clooney, a iniciativa procurou recolher fundos para as vítimas e homenagear o empenho dos bombeiros e polícias que as socorreram.
Entre as canções mais emblemáticas dos concertos encontram-se a cover inédita de "Imagine", de John Lennon, tocada e cantada por Neil Young; "My City in Ruins", de Bruce Springsteen, presença rara nos seus concertos; ou a versão acústica de "Livin' on a Prayer", dos Bon Jovi, a cargo do vocalista da banda e Richie Sambora.
U2, Alicia Keys, Sting, Enrique Iglesias (com um novo single, "Hero"), Mariah Carey, Paul Simon, Stevie Wonder ou Celine Dion foram outros dos nomes presentes num evento que, de acordo com a Rolling Stone, ficou entre os 50 momentos que mudaram o rock. Depois da maratona televisiva, "America: A Tribute to Heroes" foi editado em CD.
A música reencontraria o 11 de setembro poucas semanas mais tarde, a 20 de outubro de 2001, com outra iniciativa solidária. The Concert for New York City, organizado por Paul McCartney, levou ao Madison Square Garden, em Nova Iorque, vários artistas seus conterrâneos - Mick Jagger e Keith Richards, David Bowie, Elton John ou Eric Clapton contam-se entre os que aderiram.
As presenças norte-americanas incluíram nomes como as Destiny's Child, The Who, Backstreet Boys, John Mellencamp, Jay-Z ou Bon Jovi. Estas atuações estão registadas no CD e DVD "The Concert for New York City".
Dois dias depois, United We Stand: What More Can I Give assinalou outra das mais célebres homenagens às vítimas dos ataques. O estádio RFK, em Washington, foi o palco por onde passaram Michael Jackson, Aerosmith, James Brown, Pink, Usher, P. Diddy ou Rod Stewart, entre outros.
Depois dos palcos, os discos
Além de ter participado em America: A Tribute to Heroes, Bruce Springsteen reforçou o contato com o 11 de setembro ao longo de todo o seu 12º álbum, "The Rising". Editado em 2002, o disco reforçou o papel do cantautor enquanto cronista do quotidiano norte-americano e foi um regresso bem-sucedido depois de sete anos de pousio criativo - atingiu a primeira posição na tabela da Billboard e conquistou o Grammy de Melhor Álbum Rock de 2003, além de outras distinções.
Outro veterano a abordar os atentados em Nova Iorque, o cantor country Toby Keith editou "Unleashed" ainda mais cedo, um mês depois dos incidentes, e talvez por isso algumas canções tenham tido uma vertente mais inflamada (com letras como "Suckerpunch came flying in from somewhere in the back/ We will put a boot in your ass/ It's the american way").
Mais recentemente, e fora de domínios pop-rock, Steve Reich compôs "WTC 9/11" para o Kronos Quartet, apresentada em Março deste ano. Com cerca de quinze minutos, a peça instrumental distingue-se de tantas outras homenagens ao incorporar excertos de registos telefónicos de controladores aéreos, bombeiros ou entrevistas centradas na tragédia (realizadas pelo próprio músico).
A primeira versão da capa do disco, com as Torres Gémeas envoltas em fumo, será substituída em breve depois de ter gerado controvérsia - o compositor Phil Kline descreveu-a como "a primeira capa de um disco de música clássica verdadeiramente desprezível".
Dentro da música clássica há, aliás, vários lançamentos que assinalam os dez anos dos atentados. Um dos mais aguardados, "Not in Our Time", do britânico Richard Blackford, "foca o modo como a religião é usada como pretexto ou justificação para a guerra", conta o compositor à Gramophone, acrescentando que "na chamada «Guerra do Terror» há vilões de ambos os lados e uns são tão maus como os outros". A composição é também influenciada por textos dos tempos das Cruzadas e será apresentada no Cheltenham Town Hall, em Inglaterra, na noite de 11 de setembro.
Já em domínios do jazz, "Without a Song: The 9/11 Concert", álbum ao vivo de Sonny Rollins, regista o concerto de um dos mais aclamados saxofonistas em Boston, em 2005, espectáculo dedicado à data trágica.
Um dia numa canção
Desde 2001, poucos dias terão inspirado tantas canções como o 11 de setembro. Leonard Cohen, sempre atento ao que se passa à sua volta, compôs e escreveu uma delas, "On That Day". "Some people say/ It's what we deserve/ For sins against g-d/ For crimes in the world", sussurrou, entre o piano e um coro gospel, o autor de "Hallelujah".
Já da nova geração do rock, os Bloc Party abordaram tanto os ataques a Nova Iorque como os incidentes no metro londrino em 2005, no single "Hunting for Witches", onde também deixavam um olhar sobre os media: "1990's, optimistic as a teen/ But now it's terror, airplanes crash into towers/ The Daily Mail says «the enemy is among us!»/ «Taking our women and taking our jobs»".
Uma das canções-bandeira associada à data, "Overcome", dos Live, surgiu antes dos atentados mas acabou por ser editada como um single de homenagem. As vendas desta balada ao piano reverteram a favor das vítimas e a canção ficou como uma das mais populares do grupo norte-americano.
Hoje continuam a surgir canções diretamente relacionadas com o 11 de setembro, como o atesta "In Your Dreams", de Stevie Nicks, faixa homónima do disco editado este verão que funciona como tributo às vítimas e, simultaneamente, como agradecimento a um amigo que acalmou a ex-vocalista dos Fletwood Mac no dia dos atentados.
Tori Amos ("I Can't See New York"), Ryan Adams ("My Blue Manhattan"), Cranberries ("New New York"), Pearl Jam ("I Am Mine"), Jay-Z ("Answer the Call") ou Evansecence ("My Last Breath") são alguns dos outros nomes que retrataram os eventos nas suas canções - estes e outros temas podem ouvir-se aqui.
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