Sejamos sinceros (ups, que às vezes dói), os Blind Zero não granjearam o público português com uma carreira sólida ou recheada de sucessos, no decorrer destes últimos 30 anos - ainda que possamos considerar que este nunca foi o propósito da banda. O grupo fomentou um nicho muito próprio, com uma identidade de que nunca abdicou e que tem pautado a sua carreira.
Na vida, como na música, “like a roller coaster”. Que isto de manter-se sempre no topo é para uns quantos afortunados, enquanto outros parecem contentar-se com voos rasos. Depois, há os Blind Zero, com picos de sucesso, como os álbuns "Trigger" ou "Luna Park", e com a certeza de que cada descida, por mais acentuada e prolongada que seja, há-de ser o impulso para uma apoteótica subida (quando corre bem). Felizmente para a música nacional, "Courage and Doom" é uma nova subida na montanha-russa, com temas como “She Held Me To Breathe”, “Running Back to You” e “I Only Miss You When I'm Breathing”.
O público da Casa da Música foi presenteado com as primeiras atuações ao vivo dos temas de avanço do novo disco. A densidade e a força das canções, sem abandonar alguns elementos rock/eletrónica - imagem de marca da banda -, conduzem a plateia para um novo caminho, num registo tão intenso quanto inebriante, que eleva as expectativas dos temas que estão por vir.
No alinhamento inicial “She Help me to breathe”, “Back to the Fire” e “Shine on”, de rajada, sem pausas para respirar ou recompor. O público - os mais fiéis e os novos Zerianos (interessante notar a quantidade de jovens no concerto, numa dissertação que fica por fazer), percebe rapidamente que o espetáculo vai ser potente, esgotante e transcendente. Miguel Guedes é um «animal de palco», numa entrega descomunal que enche a sala e que acossa o público. As danças, os saltos e os passes hipnóticos no palco, regados com um calor infernal, são tão atordoantes quanto fascinantes.
O vocalista aproveita uma pausa entre temas, para um curto “Boa-noite”, porque a música urge e o tempo foge. “Recognize”, “Snow Girl” ou “Slow Time Love” são alguns dos temas que se seguem.
Reconhecidas as suas qualidades de comunicador nato, Miguel Guedes vai mantendo, mais para o fim do espetáculo, um cativante monólogo, com foco nos 30 anos de carreira da banda e no mais recente trabalho (por estas horas já disponível), porque o passado é um legado importante, mas é o futuro que nos descompassa.
Não há, ao longo do concerto, um tema ou um momento específico que possam ser apontados como os pontos altos. O espetáculo de celebração do reportório da banda foi, todo ele, vivido e sentido, no píncaro. Muito por conta de alguns grandes temas de sucesso e pela energia contagiante da banda.
A primeira saída de palco faz-se ao som de “It’s a Bright Bright Night”, do álbum "Often Trees", de 2017, para um primeiro encore que apresenta “Invisible Fire” ("Courage and Doom", 2024) e revisita os temas “Wish Tonight” e o incontornável “Big Brother”.
Num novo regresso ao palco, dedicado sobretudo ao agradecimento do grupo, um remate final com “Tormentor”. Agradece o público também, por esta fantástica viagem por 30 anos de música, que trazem à lembrança momentos que importa recordar, com um olhar no futuro.
P.S. Cresci com os Blind Zero. 1995. Primeiro ano de faculdade no Porto. Primeiro concerto numa festa qualquer da Universidade Fernando Pessoa, pelos lados do cais de Gaia, se não me falha a memória. A obrigatória passagem pelo Piolho. Um concerto tão amador e incipiente como eram os Blind Zero, como era eu. 30 anos volvidos, passei pelo Piolho - como um cerimonial - e vivi intensamente o espetáculo, pelo indizível (e invisível) que nos une. Tanto mudou e, no âmago, tanto permanece igual. Obrigada por uma noite de reencontros e uma promessa de futuro!
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