Cantar o amor, já se sabe, está longe de ser uma novidade, ou não fossem os relatos "boy meets girl" um dos alicerces de grande parte da pop desde os seus primórdios. As canções dos Mesa não são exceção e, em todos os seus discos (e já vão três desde 2002), os males do coração moram entre as histórias que se contam.

"Automático", oquarto álbum, volta a insistir na temática e, felizmente, mostra que o equilíbrio presente nos antecessores não esmoreceu: esta continua a ser uma música capaz de fazer um casamento aliciante entre melodia e palavra, mérito da escrita acessível mas exigente de João Pedro Coimbra e da voz expressiva de Mónica Ferraz.

Vestindo a pele de personagens díspares, a vocalista reforça o apelo de letras na fronteira entre o íntimo e o universal, cantando histórias de (des)amor sempre de forma enxuta e sedutora. "Gosto mais de ti do que posso controlar", confessa em "Derrama", canção sobre um amor "gastador" cuja obsessão é disfarçada, pelo menos em parte, por algumas das melodias mais cativantes do disco - fruto do discreto acréscimo de instrumentos que o tema vai acolhendoa parde uma luminosidade assinalável.

Alternando momentos diretos, como este, com outros que pedem mais audições, o alinhamento de "Automático" mantém a lógica dos antecessores e viaja entre o familiar e o arriscado - sem nunca testar, contudo, os limites de cada um destes territórios.

A canção mais familiar será "Cedo o Meu Lugar", single óbvio e exemplo de uma balada que sabe ser radiofónica sem nivelar por baixo. Mais enérgicos, e também no início do alinhamento, a faixa-título e "Há um Fogo" mostram logo que este é um disco capaz deagradar aoutros paladares. "Ele Domina", belo episódio minimalista, partilha a experiência de uma mulher submissa ("Sou uma escrava que ele domina") e feliz por sê-lo ("Não há saída porque não quero sair"), exemplo de uma escrita que aborda o amor através de ângulos menos rotineiros.

A saudável versatilidade de "Automático" alarga-se com as participações especiais de Armando Teixeira (dos Balla) e Filipe Palas (dos Smix Smox Smux), nos temas mais eletrónicos: o primeiro entra na espiral insinuante (e sussurrante) de "Teia", o segundo é o convidado da festa de "Fitas", a canção mais pegadiça e dançável do disco. O devaneio correu tão bem que as sobras foram aproveitadas para "Xtra!", instrumental que fecha o álbum num tom quase tão delirante - álbum esse que, se não é o melhor dos Mesa (pelo menos desde o primeiro), anda lá bem perto.

@Gonçalo Sá

Videoclip de "Cedo o Meu Lugar":