Videoclip de "Blood for Poppies":

Ao vivo, os Garbage trataram de provar que, apesar dos recursos tecnológicos, eram uma banda de corpo inteiro, respondendo da melhor forma a quem os reduzia a um projeto calculista e laboratorial (afinal, surgiram da colaboração entre três produtores e uma vocalista).
Tendo em conta que depois de uma estreia exemplar regressaram com um nível de excelência equiparável ("Version 2.0", de 1998, um dos melhores álbuns pop da década), percebe-se que queiram agora despertar uma euforia semelhante à dessa fase. Nada contra, mas mesmo partilhando alguns ingredientes, "Not Your Kind of People" é, ainda mais do que os dois antecessores, um parente pobre do brilhantismo desses primeiros discos.

Se em meados dos anos 1990 muitos encontravam nos Garbage pistas para o futuro - ou, pelo menos, uma fusão refrescante do som do presente -, hoje encontram uma banda incapaz de se desligar do passado. Este quinto disco reforça a fórmula back to basics de "Bleed Like Me", dá ainda mais peso às guitarras enquanto corta na pulsão eletrónica e, no processo, dilui a personalidade e rasgo dos seus autores, servindo um alinhamento de rock escorreito mas a milhas do mistério, provocação e curiosidade de outros tempos.

A decisão de "Not Your Kind of People" não aderir à última onda do momento é louvável - já há demasiados a mergulhar em dubstep, chillwave e afins. A alternativa é que também não é das mais aliciantes: uma coisa é procurar inspiração no passado, outra é cair num exercício de saudosismo que torna muitas destas canções mais datadas do que as de do disco de estreia. "Control" é talvez o exemplo mais óbvio e, além de recuperar a tensão dos Garbage de 1995 (não anda longe de "Vow", o seu primeiro single), tem um refrão especialmente forte. Os seus instantes finais denunciam, contudo, um dos aspetos mais desapontantes do disco: a produção, aqui mais confusa do que complexa e geralmente pouco imaginativa na maior parte do disco (compare-se com a perfeição cristalina de "Version 2.0" e ouçam-se as diferenças).

"Battle in Me" (versão estúdio):

Alguns momentos apresentam-nos, ainda assim, os Garbage com as qualidades que nos fizeram gostar deles. "Sugar" é uma digna sucessora das também etéreas "Milk" ou "The Trick is to Keep Breathing" e de longe a balada mais memorável do disco - em contrapartida, as outras duas, "Beloved Freak" e sobretudo a faixa-título, soam forçadas na sua tentativa de serem hinos para outcasts. Noutro comprimento de onda, "I Hate Love" conta com um dos instrumentais mais infecciosos e com Shirley Manson em modo "supervixen", teorizando sobre o amor de forma tão pessimista quanto sedutora (é quase uma sucessora direta de "#1 Crush", embora com uma perspetiva diametralmente oposta).

De resto, "Automatic Systematic Habit" propõe um arranque cinético que poderá ganhar mais garra ao vivo, "Felt" é shoegaze correto mas impessoal e "Battle In Me" e "Man on a Wire" sugerem que os Garbage ficam a perder quando apostam só no rock - mesmo que o façam com mais competência do que em "Big Bright World" ou "Blood for Poppies", este um dos seus singles mais inócuos.

Sem se aproximar de um disco desastroso, "Not Your Kind of People" não deixa de saber a pouco depois de sete anos de espera. Os Garbage sempre gostaram de demorar algum tempo - por vezes demasiado - entre a edição dos álbuns, mas nunca regressaram com tantas variações menores do que já fizeram. Se a ideia era resgatar o passado, teria sido bem mais interessante editar uma compilação dos seus muitos (e bons) lados B, em especial os da fase "Garbage" e "Version 2.0". Porque canções relativamente obscuras como "13 x Forever", "Deadwood", "Trip My Wire ou "Afterglow", apesar de irem a caminho das duas décadas de vida, continuam mais frescas do que as novidades acomodadas de "Not Your Kind of People".

@Gonçalo Sá