A benção de Marina Abramovic, a capa de Jeff Koons (inspirada n'"O Nascimento de Vénus", de Botticelli) e as próprias declarações de Lady Gaga foram alimentando, nos últimos tempos, uma expectativa crescente - e para alguns, desmesurada - em torno do terceiro álbum do alter ego de Stefani Germanotta. Nada que não tenha acontecido com o disco anterior, "Born This Way" (2011), antecipado com promessas de grandiosidade a sugerir que Gaga tem mais pontaria para o marketing (e a imagem em particular) do que para a música. Se aí o produto final foi decepcionante, "ARTPOP" volta a confirmar que a rainha vai nua: não tanto pela falta de canções a destacar, mas por todas ficarem aquém do que está à volta.

Embora a nova-iorquina tente unir aqui os universos da arte e da cultura pop - que hoje em dia nem serão propriamente antagónicos -, o alinhamento expõe, mais uma vez, que a cantora de "Bad Romance" impressiona mais pelos singles do que pelos álbuns. Dentro dos blockbusters femininos da temporada, "ARTPOP" até pode fazer sombra aos anémicos "Prism", de Katy Perry, e "Bangerz", de Miley Cyrus, mas não traz muito de novo ao mundo da arte, da pop ou mesmo da própria Gaga.

Vídeo promocional de "ARTPOP":

"Aura", o inquieto tema de abertura, promete um disco revelador. "Do you wanna see me naked, lover? Do you wanna peek underneath the cover? Do you wanna see the girl who lives behind the aura?", questiona a cantora ao lançar os dados para um jogo mais de sedução do que de revelação, como o alinhamento se encarregará de atestar. Vozes robóticas entoam "Dance, Sex, Art, Pop", talvez os elementos mais dominantes das canções seguintes, cuja sonoridade também é desvendada, em parte, por "Aura": a guitarrada de tempero tradicional do arranque fica-se por aqui, mas a eletrónica sobreproduzida que se segue (maximalismo entre o french touch dos Daft Punk/Justice e a EDM) mostra-se ingrediente indispensável do álbum. Este tema inicial também funciona como template de canções com tanto de espartano como de formulaico - as viragens regulares, algumas surpreendentes, orbitam quase sempre em torno da zona de conforto de um refrão açucarado.

Apesar de elementos comuns na estrutura dos temas, "ARTPOP" está mais próximo dos contrastes de "Born This Way" do que de um disco plano como "The Fame" (2008). Demasiado longo, o alinhamento é uma montanha russa mutante (com música de carrinhos de choque, dirão os detratores mais fervorosos) entre 15 temas quase sempre barrocos e sintéticos, triturados por uma lista de produtores que inclui DJ White Shadow, Zedd, Madeon, David Guetta, Infected Mushroom e Will.i.am.. Não será a lista mais promissora, sobretudo para um disco que quer estar na linha da frente e acaba por apostar na eletrónica mais batida, mas a viagem até nem começa mal.
A sequência de "Venus", "G.U.Y." e "Sexxx Dreams" é talvez a mais infecciosa, mérito de uma pop orelhuda e sexualizada, que tem a vantagem de não se levar muito a sério enquanto narra jogos de dominação, submissão e troca de papéis. Mais estranha é a presença de "Jewels n' Drugs", incursão pelo hip hop ao lado de T.I., Too Short e Twista, com Gaga a saltar do quarto ou da pista de dança para o bairro. Se até mostra que a cantora nem se sai mal nesses ambientes, também é dos momentos que mais destoam no alinhamento.

Videoclip de "Applause":

"Manicure" arranca onde "Born This Way" terminou e soa a sobra desse disco - mas uma sobra acima da média, com guitarras a relinchar, refrão flamejante e Gaga a vestir bem a pele de ídolo glam rock enquanto dispara palavras de ordem. Preferimo-la neste registo orgulhosamente exagerado do que num exercício midtempo como "Do What U Want", colaboração com R. Kelly que, apesar do flirt com o R&B mais meditativo, parece uma variação a meio gás de "Your Body", de Christina Aguilera.
A breve faceta etérea do álbum sai mais favorecida pela faixa título, cuja elegância é quase uma anomalia num alinhamento habitualmente estridente. Mas mesmo com uma letra a relembrar as pretensões do disco, "ARTPOP" está entre os seus melhores momentos. A estridência não demora muito a regressar, e logo num dos seus exemplos menos admiráveis: "Swine" é o tipo de canção preguiçosa, mecânica e datada que dá mau nome à EDM e nem a curiosidade de ouvir Gaga em modo Courtney Love metaleira/raver nos convence do contrário.

Na reta final, "ARTPOP" aposta na pujança spoken word de "Donatella", caricatura em que Gaga solta a língua viperina para descrever a matriarca da casa Versace. O retrato é imaturo, redutor, frívolo ("I'm blonde, I'm skinny, I'm rich, and I'm a little bit of a bitch (...) I’m gonna wear designer and forget your name"), e por isso mesmo ficaria a matar num eventual regresso da série "Absolutamente Fabulosas". O mundo da moda volta a servir de cenário a "Fashion!", mas o balanço funky do arranque, com vénia a David Bowie, merecia um final mais imaginativo. O remate é também o instante menos brilhante de "Mary Jane Holland", desperdiçando um dos refrãos mais imediatos e certeiros. Ainda assim, a canção brilha mais do que "Dope", balada lacrimejante e mera montra do aparelho vocal de Gaga, ou do que a reflexão sobre o seu espírito livre e nómada de "Gypsy" (o hit megalómano que Brandon Flowers nunca cantou). A compor uma despedida pouco memorável - e a cimentar um alinhamento desconexo -, o single "Applause" fecha o espetáculo entre a eficácia e a indiferença. Aplaudimos, mas com reservas: partindo de algum lixo sem nunca chegar ao luxo, "ARTPOP" perde-se na mediania. "Dance, Sex, Art, Pop"? Três em quatro já não é mau...

@Gonçalo Sá