O exagero está ligado a Lady Gaga desde que o alter ego de Stefani Germanotta começou por se fazer notar, há três anos, com "The Fame". Single atrás de single, sucesso atrás de sucesso, a música foi acolhendo a companhia de uma imagem forte, garrida, excêntrica e planeada ao milímetro. No EP "The Fame Monster", de 2009, a nova-iorquina fez o upgrade não só da vertente visual, com alguns dos seus videoclips mais trabalhados, mas também do cardápio sonoro, mais versátil e estimulante do que o conjunto de canções da estreia.

Em "Born This Way", o seu segundo disco, Gaga prometia subir vários degraus, sobretudo ao deixar algumas declarações-teaser onde, modéstia à parte, garantia apresentar aqui "o melhor álbum da década".
O single homónimo, revelado em Fevereiro, não foi dos avanços mais sugestivos, mantendo-se (demasiado) próximo de uma fórmula já conhecida, mesmo que tenha assegurado alguma eficácia tanto nas rádios como nas pistas de dança.
"Judas", o segundo single, voltava a juntar um refrão orelhudo a batidas mais próximas de um electro maximal requentado do que do hi-NRG do antecessor.
Mas qualquer um destes temas superou facilmente os dois que se seguiram: "The Edge Of Glory" apostou num eurodance anónimo e descartável, "Hair" seguiu por um rock FM adolescente a lembrar o pior de Pink (o único elemento curioso de ambas acaba por ser o saxofone de Clarence Clemons, elemento da E Street Band, que acompanha Bruce Springsteen).

Mais umafesta dos anos 80 (e às vezes 90)

Ouvindo o álbum, não se confirma o desastre absoluto queos dois avanços mais recentes antecipavam, o que não quer dizer que "Born This Way" não seja decepcionante q.b. para os que esperavam - e não são assim tão poucos - encontrar em Lady Gaga uma substituta de Madonna (peso, de resto, demasiado pesado e sobretudo prematuro para qualquer nova cantora carregar aos ombros). A comparação com Cher até faria mais sentido, tal é o gosto pelos caminhos mais óbvios da electrónica dançável e guitarradas nostálgicas (olá, anos 80) que, no máximo, passam por kitsch (gracinha que se torna cansativa num alinhamento demasiado longo).

"Highway Unicorn (Road 2 Love)" é um exemplo crasso, espécie de sucedâneo festivaleiro de "Dance in the Dark" (tema de "The Fame Monster") com contornos power ballad e uma voz mais histérica do que nunca.
"Electric Chapel" concentra-se nas guitarras enquanto se ouvem sinos ao fundo e faz a ponte entre a pop e o hard rock(zinho) - se no videoclip Gaga encarnasse uma freira motard no meio do deserto, não destoaria.
"Yoü and I" também assenta muito na guitarra, que embora seja tocada por Brian May (dos Queen) serve um tema mais próximo de memórias dos Guns n' Roses - facção mais baladeira, com a cantora de "Just Dance" a puxar pela voz enquanto grita o título da canção ao melhor (ou pior?) estilo Axl Rose.
Também num registo pouco contido, "Americano" remete para uns Gogol Bordello com sabor mexicano extra, mais pela letra (que aborda a imigração ilegal) do que pela sonoridade. Ainda assim, Gaga já se saiu melhor em canções com tempero exótico e latino ("Alejandro", apesar do desgaste do extenso airplay, continua mais vital).

Um disco meio cheio ou meio vazio?

"Born This Way" acaba por funcionar melhor quando deixa as guitarras de lado e parte para derivações electroclash, caso de "Government Hooker", um dos momentos mais crus e mecânicos, ou "Scheisse", que arranca com spoken word em alemão (algures entre Miss Kittin e as Chicks on Speed) mas não demora muito a atirar-se a um refrão açucarado, também com alguma graça.
Os rodopios envolventes de "Heavy Metal Lover", em crescendo, reforçam a ligação à pista de dança e, já perto do final, acabam a cumprimentar os Daft Punk.
"Bad Kids" ameaça com guitarras no início antes de se entregar a um synth pop saltitante, naquela que é uma das mais sérias candidatas a novo hino dos "little monsters" - onde Gaga reforça o estatuto de estrela padroeira de adolescentes à margem.
Estranhamente calma para os padrões de quem a canta e sobretudo deste disco, "Bloody Mary" é um dos momentos em que a comparação com Madonna faz de facto sentido (o refrão não engana), ainda que o resultado seja mais agradável do que memorável.

À semelhança do que ocorreu com "The Fame Monster", "Born This Way" sairia a ganhar caso fosse um EP de oito temas (no máximo), contendo apenas o melhor que a sua autora tem para oferecer no momento. Ao propor um alinhamento que tem quase o dobro das canções, Lady Gaga torna-se refém da sua ambição (sempre de horizontes largos) e, ao contrário do que o título sugere, arrisca-se a morrer (musicalmente) ao segundo disco. É que por mais forte que a sua imagem possa ser, um reinado pop - de longo prazo, pelo menos - não se faz só com videoclips e pseudo-polémicas.

@Gonçalo Sá

Fotos, vídeos e passatempo de Lady Gaga

Videoclip de "Judas":

Videoclip de "Born This Way":