Quem costuma dizer que a vida dá muitas voltas tem no caso de Elizabeth Grant - mais conhecida pelo nome artístico Lana Del Rey - um exemplo disso mesmo. Em poucos meses, a jovem cantora norte-americana lidou com o desinteresse de muitas editoras antes de conhecer, de forma abrupta e incomum, uma projeção generalizada à custa de uma canção e de um videoclip.
"Video Games" surpreendeu, no verão do ano passado, ao apresentar uma voz e uma pose com poucos paralelos na pop atual, suscitando comparações com uma coleção de referências mais clássicas - Nancy Sinatra ("versão gangsta", segundo a própria), o universo de David Lynch ou estrelas de Hollywood da década de 1950 foram apenas algumas. Ao considerável aplauso crítico juntou-se o culto sob a forma de fenómeno viral na internet, a mesma plataforma que daria conta, pouco tempo depois, da insegurança de Lana Del Rey em algumas atuações (em particular a do Saturday Night Live). Esse desequilíbrio performativo veio alimentar a desconfiança de quem, face ao sucesso inesperado, acusa a cantora de ser só mais um produto milimetricamente confecionado por técnicos de marketing - neste caso, um produto pronto a agradar a uma imensa minoria indie (e mais além) pelo misto de glamour e anacronismo.
Questões como essa, ou se os lábios de Lana Del Rey são naturais ou resultado de uma operação, mostram-se contudo irrelevantes quando o que ouvimos trouxe, de facto, alguma frescura à pop atual, sobretudo quando muito do que está à volta são estrelas que continuam a recrutar a eletrónica chapa cinco de David Guetta, Calvin Harris e afins. E mesmo no campeonato mais alternativo, a cantora de 25 anos merece algum crédito por não ser mais uma a alistar-se no filão de candidatas a góticas, tentação que tem seduzido muitas novatas.
Quando o EP é um best of
Além de "Video Games", "Born to Die" foi antecedido por outros temas, entretanto compilados no EP "Lana Del Rey" eresponsáveis pelo elevar de expetativas em torno do disco - que não é propriamente o de estreia já que a sua autora editou, como Lizzy Grant, um álbum em 2010.
Se o tema de avanço surpreendeu pela conjugação de harpa, piano, orquestrações e uma voz envolvente, "Blue Jeans" manteve o apelo ao recuperar alguns desses elementos juntando-lhes um embalo eletrónico. Essa aproximação às batidas do hip-hop e do trip-hop, sem abdicar da postura de mulher fatal e de melodias grandiosas, marcou também o compasso de "Born to Die", o single, que continuou a evocar o romantismo de outros tempos com a urgência dos dias de hoje.
A aura distante e solene só seria interrompida em "Off to the Races", canção de maior pulsão rítmica com uma Lana Del Rey a soar mais a coquette tagarela do que a vamp misteriosa - perdendo parte do encanto, até pela aposta num timbre mais agudo, mas deixando pistas curiosas para outros territórios.
"Born to Die" não morre, mas esmorece
"Off to the Races" começou por sugeri-lo e o disco vem agora confirmar que os ambientes de Lana Del Rey não se esgotam nos das primeiras canções reveladas. Ao longo do alinhamento, a cantora veste várias peles mas também deixa claro que, por vezes, não há amor como o primeiro, uma vez que nunca consegue repetir o efeito de "Video Games".
A postura inacessível e o sabor a clássico instantâneo dessa canção (e até das outras que imediatamente se seguiram) dão lugar a alguns temas mais diretos, assentes numa pop frívola mais próxima de Duffy ou de Nicola Roberts (das Girls Aloud) do que de referências surgidas inicialmente. Em "National Anthem" essa transição convence e dá-nos o melhor inédito do álbum, numa canção borbulhante com refrão luminoso e Lana muito bem no papel de girl next door. Juntamente com os temas já conhecidos, este ajuda a que a primeira metade de "Born to Die" prometa um disco seguro e entusiasmante, expetativa que fica por alcançar num lado B apenas razoável.
A mediania é especialmente evidente na versão deluxe, de quinze faixas, onde as piscadelas de olho ao trip-hop, que soavam frescas em "Blue Jeans" e "Born to Die", acusam algum cansaço quando essas batidas são praticamente replicadas em grande parte dos temas - e em vez de se aproximarem do "pathos" de uns Portishead, mergulham na leveza polida de uns Hooverphonic. "Million Dollar Man" é uma das poucas exceções a essa regra, sugerindo que Lana também tem discos de Fiona Apple na sua coleção, e em "Lolita" a cantora permite que Britney Spears, uma influência assumida, tenha eco num dos momentos mais imediatos - e já muito longe da densidade que nos intriga no arranque do álbum.
Depressa e bem...
Sintoma de uma época em que tudo surge rapidamente, começando pela popularidade de Lana Del Rey, "Born to Die" acaba por soar a um disco feito com alguma pressa. Depois de ter dado que falar por vários motivos, a melhor resposta da cantora seria apresentar canções à altura desse burburinho. Se estas não chegam para preencher o alinhamento de um álbum (mais extras), talvez outro EP servisse melhor essa ambição - ou um compasso de espera mais longo até que o casting para o alinhamento de um disco tivesse maior exigência. Assim, caso Lana Del Rey continue a afastar-se do fulgurante rasgo inicial, como alguns temas sugerem, "Born to Die", mais do que o título de um álbum, arrisca-se a ser um prenúncio da sua carreira.
Videoclip de "Born to Die":
Videoclip de "Video Games":
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