"Pure Heroine" começa a afigurar-se uma autêntica placagem ao esplendor das pop queens da atualidade. Com um estilo sui generis, uma personalidade vincada e autonomia no campo das composições, Lorde traz-nos um disco de estreia que se demarca da linha de produção do universo pop mais mediático, apesar de, inevitavelmente, se destinar a ele.
Torna-se difícil acreditar na mocidade de Lorde. Os 16 anos com que deu voz a "Pure Heroine" (neste momento, já completou 17) soam a tudo menos a 16 anos. Quando ouvimos "Pure Heroine", somos incapazes de associar aquela pujança a um semblante ingénuo, a um corpo ainda ameaçado pelo terror do acne, qual flor a brotar. Custa a crer que um timbre tão similar ao de Lana Del Rey tenha menos uma década de existência que este. Mas o timbre não é o único parâmetro em que Lorde e Lana se intercetam: apesar de num registo mais electro, a pop de Lorde está ornada de elementos indie. As divergências começam quando pomos lado a lado o volume de recursos de ambas: enquanto Lana veste por completo os seus temas, a voz de Lorde anda, frequentemente, de manga curta, desprovida do quentinho que é oferecido pelo preenchimento instrumental. Lorde não é tão laboratorial quanto Lana.
Videoclip de "Royals":
Sem que isso lhe tire qualquer valor, dá a sensação que a neozelandesa se fechou a sete chaves no quarto, rodou uns quantos samples e gravou a voz por cima. Tudo isto seria canja se Lorde encomendasse as letras ou, simplesmente, plagiasse a “poesia” que Rihannas, Britneys, Katys, e por aí afora, fazem. Não estamos a dizer que "Pure Heroine" seja propriamente uma obra-prima no que toca à criação da palavra, mas, pelo menos, Lorde pode gabar-se de ter tomado as rédeas. Sim, a voz dela não é, de todo, teen, como já dissemos, mas não se lhe pode pedir que atropele uma etapa da sua vida. Como é óbvio, o que escreve reflete os seus dramas, paixonetas e fantasias e, como tal, a sua verdura. Ainda assim, casos como o de "Buzzcut Season" e "Still Sane" deixam antever um perfil mais consciente e militante de Lorde. Neste segundo tema, a jovem artista desenha um auto-retrato, onde palavras como “I’m little, but I’m coming for the crown” praticamente resumem o seu percurso no mundo da música.
No esqueleto musical propriamente dito, encontramos, quase invariavelmente, batidas que remetem para um fundo hip-hop, apesar de o timbre de Lorde afastar de imediato essa nomenclatura. Registam-se alguns bons pormenores a nível instrumental, com proeminência dos graves que emanam do sintetizador.
"Royals", primeiro single a ser revelado, é o tema mais completo do álbum, apesar de ser inferior a "Ribs", que se impõe, sem dúvida, como o pináculo de "Pure Heroine": o seu minimalismo e versatilidade deixam Lorde brilhar, auxiliada por segundas vozes que, contrariamente a muitas situações, acrescentam algo ao tema. Por outro lado, temos "400 Lux", uma faixa que nos desafia a suportar a sua reprodução até ao fim: durante quatro minutos, sentimo-nos num estádio sul-africano, em pleno mundial de futebol 2010, tudo por causa de uma pseudo-vuvuzela (ou uma sirene a dar sinal de evacuação) que não para de ser soprada. "A World Alone" também era completamente escusado: de onde veio aquela guitarra? Caiu do céu, só pode. Talvez num próximo álbum fizesse sentido, mas não neste.
Que há talento nesta miúda, isso parece-nos inquestionável. Lorde usa a caneta vermelha para censurar futilidades, põe o dedo na ferida do estrelato e do bling-bling, foge dos domínios da aparição erótica, do twerk e da javardice. Lorde é de outra casta. Mas ainda é cedo para falar. São só 17 aninhos. Não sabemos que tipo de “pura heroína” é que está em causa.
@Rui Ramalho
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