Um ano depois do seu álbum de estreia homónimo, que tão acarinhado foi pela crítica em geral, Jake Bugg traz-nos "Shangri La", um trabalho com o cunho do produtor Rick Rubin. O disco pode defraudar as expectativas de uma boa parte dos fãs do cantautor de 19 anos, especialmente os fundamentalistas do country, já que corrompe a imaculabilidade do seu antecessor. Apesar disso, temos um álbum explosivo e premeditado, que agrada ao ouvido.
Para quem já profetizava uma espécie de reencarnação de Bob Dylan na pessoa de Jake Bugg, "Shangri La" é um amargo de boca. Para além do timbre nasalado do cantor e compositor britânico não condizer com a rouquidão inimitável de Dylan, a analogia entre ambos desvanece-se ainda mais quando damos conta dos quilos de maquilhagem que Bugg impregna no seu country. Qualquer homem que se preze – e, neste aspecto, Dylan arrasa Bugg - prefere uma mulher (canção) ao natural, mas não queremos com isto dizer que as pinturas a tornem feia. É claro que as influências estão sempre presentes no percurso de um artista acabado de se lançar, nem que seja pelo seu cabelo à George Harrison. E já que estamos numa de comparações, não podemos deixar de referenciar Miles Kane.
Propomos o seguinte exercício: cortar "Shrangri La" em dois. Ora, numa primeira fase temos a maior evidência do elétrico e da ‘rockalhada’, com uma aproximação ao punk rock no caso de "Slumville Sunrise". Bugg percorre, aqui, terrenos pantanosos ao fazer uma misturada de indie folk, blues e country rock, mas não podemos dizer que lhe corra mal de todo. Numa fase posterior, sensivelmente a partir do “equador” do álbum, voltamos à pacatez de uma típica quinta, às baladas tocadas ao pôr do sol e ao registo mais acústico. Ao contrário dos solos frenéticos das primeiras faixas, mais para o fim deparamo-nos com os arpejos ou com os acordes suaves, que quase deixam ouvir o palhetar das cordas. Bugg dá uma no cravo e outra na ferradura. Por isso mesmo, torna-se muito mais difícil rotular "Shangri La" do que o seu primeiro trabalho.
Da primeira metade que falámos, assinalamos "Kingpin" como o melhor momento. Talvez ainda possamos encaixar nesta categoria "What Doesn’t Kill You", faixa que tem algumas impressões digitais dos primórdios de Arctic Monkeys, tanto pela montagem dos acordes como pela rápida articulação das palavras (bem ao jeito de Alex Turner). Da segunda metade, "Simple Pleasures" é o pináculo da criação de Jake Bugg: o britânico escapa bem à tentação de recorrer aos power chords, deixando a sua voz brilhar por cima do minimalismo instrumental.
O certo é que o ecletismo de "Shangri La" tanto pode correr muito bem como ser um completo fiasco. "A Song About Love" merece, de facto, a nossa vénia, por ser uma balada enternecedora, sem negligenciar a complexidade do compasso ternário. No polo oposto está "Kitchen Table", que começa logo por ser medíocre pelo título e piora com o ritmo de bossa-nova, completamente descabido. Num saco à parte está "Me And You", uma canção que faz bem a transição do primeiro álbum para "Shangri La", zipando o melhor de ambos: provavelmente aquela que os fãs de Bugg mais apreciarão.
Das letras há pouco a dizer, a não ser que não se podia esperar muito mais de um rapaz de 19 anos na efervescência das suas interrogações e devaneios. Não aquecem nem arrefecem, não acrescentam nem subtraem. Não negamos que Jake ampliou o seu arsenal, nomeadamente ao apelar a presenças de relevo, como é o caso dos bateristas Chad Smith, dos Red Hot Chili Peppers, e Pete Thomas, companhia habitual de Elvis Costello, para a gravação de "Shangri La". Talvez se tenha perdido parte da autenticidade que tanto prestigiou o álbum anterior. Aqui chegado, será que Jake Bugg vai seguir a parábola do filho pródigo? Ou será esta uma partida sem retorno? Seja como for, ficámos curiosos.
@Rui Ramalho
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