Como acaba por acontecer em muitos discos de hip hop, o apontar de dedo torna-se, em alguns momentos, demasiado obsessivo e impositivo, sobretudo quando os Mind da Gap se assumem, em "Aqui nos Mantemos", como "a tríade nuclear que representa a verdade". Mas sempre preferimos ouvir a sua verdade, que até poderá ser discutível, do que o discurso vazio, misógino e/ou homofóbico do hip hop de segunda que dá mau nome ao género (e que, infelizmente, tem muitas vezes maior expressão).

De qualquer forma, "Regresso ao Futuro" está longe de se esgotar no rótulo de disco interventivo ou contestatário, abraçando outras vertentes e ambientes. E o tom até é mais esperançoso do que derrotista, tirando o negríssimo "A Noite Tá Lá Fora", momento fantasmagórico que poderia acompanhar um filme de terror ou um thriller sobre teorias da conspiração. "Foi o que te venderam/ caíste na ladainha/ agora que te apagaram/ paga raia miudinha", atira o grupo à vítima coletiva enquanto conjuga as palavras com um piano sinistro. Se a ideia era gerar claustrofobia sonora, o resultado é mais do que convincente.

Também paranoicos, mas com sentido de humor à mistura, "Vozes na Cabeça" e "'Sónia" são, além de dois dos pontos altos, dos temas que garantem maior diversidade a um disco equilibrado, herdeiro do hip hop clássico mas recetivo a desvios funk, soul ou electro (rompendo, e ainda bem, com o toque mais old school do antecessor "A Essência", de 2010).
"Vozes na Cabeça" é uma canção "para quem já não sabe para onde se vira - se fica, se pira, respira, delira...", vincada por um refrão rapidamente trauteável que, na reta final, é interrompido por scratch com ligação direta ao noticiário (que aqui parece o responsável por muitos casos de esquizofrenia e desnorte).
"'Sónia", com níveis de ansiedade comparáveis, relata uma noite mal dormida de alguém prestes a "dar em doido de vez com tanta ideia a explodir" - curiosamente, o ritmo rodopiante é dos mais lúdicos do alinhamento.
Por outro lado, "Nada Complicado" transmite-nos toda a tranquilidade do mundo num fim de tarde à beira-rio, cenário idílico para passeios de bicicleta (sugestão de Presto) ou de carro (a escolha de Ace) com banda sonora cool a condizer.

Além do trio portuense, parte de "Regresso ao Futuro" nasce das palavras dos convidados Sam The Kid (apaixonado, com borboletas na barriga e tudo, em "És Onde Quero Estar"), Mundo (no melodismo circular de "Há Dias", bonito hino à perseverança e ao companheirismo), Rey (no single "O Jardim", com as críticas que já referimos), Dealema (incisivos em "Sete Miras") e Berna (na mais meditativa "Já Chegamos"), colaborações naturais numa discografia incapaz de passar sem elas.

O regresso dos Mind da Gap ganharia outra concisão caso dispensasse três ou quatro temas, até porque em alguns não nos dizem nada muito diferente do que já disseram antes. Mesmo assim, a resposta à pergunta "Será que as minhas palavras ainda fazem eco?", entoada em "Vozes na Cabeça", não deixa de ser afirmativa. Eles próprios acabam, aliás, por responder mais à frente, em "Há Dias": "Não temos disco de ouro/ mas temos um tesouro/ há gente que nos ouve/ nesse temos efeito duradouro". Neste caso, pelo menos, a sua verdade é indiscutível. Ouvindo discos como "Regresso ao Futuro", percebemos porquê...

@Gonçalo Sá