Videoclip de "Arrow":

O peso dado à imagem, tanto dos videoclips como de toda a componente visual da banda, passando pela androginia do vocalista ou pelo perfecionismo dos concertos (cuja combinação de dança, projeções, guarda-roupa ou iluminação quase os atiram para performances), poderá ofuscar a música do grupo, pelo menos num contato inicial. Uma audição atenta de "Nude" revela-nos, no entanto, um disco a que também não falta essa pompa e circunstância, mas que as equilibra com uma atenção assinalável a pormenores e subtilezas. A conjugação do eletrónico com o acústico, por exemplo, resulta num casamento feliz entre modernidade e classicismo, sublinhando com sintetizadores (em regime quase sempre discreto, mas não indiferente) os regulares diálogos de cordas e teclados.

Esta teatralidade das canções dos The Irrepressibles, condimentada quase sempre com alguma melancolia, contornos orquestrais, arranjos minuciosos e a voz de contratenor de McDermott, não anda longe da de Antony & The Johnsons (comparação já habitual, até pelo registo em falsete), com alguns episódios, sobretudo os mais opulentos, a remeterem também para aquilo a que os Wild Beasts ou mesmo Patrick Wolf nos têm habituado. Recuando um pouco mais, encontramos no grupo eventuais sucessores do misto de ambientes de cabaret, sinfonismo e eletrónica que Marc Almond percorre desde meados dos anos 1980 - não tanto do legado dos Soft Cell, antes do que tem deixado a solo ou que desenvolveu no projeto Marc and The Mambas.

Videoclip de "New World":

O que "Nude" já não partilha tanto com Almond é a carga negra e por vezes ácida deste, optando por um idealismo que se mantém até nos momentos mais desencantados. Partindo de contradições entre as esferas públicas e privadas, McDermott vai fazendo a sua catarse num alinhamento que parece ir reforçando a sua confiança. Temas iniciais, como "New World", mostram-no algo receoso e desnorteado ("Because I couldn't see truth from my eyes/ they blinded me with rules from when I was a child/ Because all around the vain ones decide/ the ways in which we live our live"). "To Be", a meio do disco, faz um diagnóstico igualmente desconfortável ("I live a life of lies/ I love the truth you hide"). Em compensação, "Tears" e sobretudo "Ship" instalam um cenárico lírico e sonoro mais arejado, até ligeiramente espirituoso e dançável (com a eletrónica a ganhar terreno à instrumentação barroca).

O final de um disco equilibrado - que nos serve, além de canções como estas, belos interlúdios instrumentais (em especial o mais breve, "The Opening") - dá-se através do seu momento mais épico e assertivo, "Two Men in Love". Com a sua linguagem mais apurada do que nunca, a banda despede-se num crescendo de intensidade em que a dor é eclipsada, pelo menos momentaneamente, pela celebração do amor. "I'm in love!", grita McDermott várias vezes, a plenos pulmões, com uma convicção capaz de desfazer quaisquer ecos do medo e relutância de canções anteriores. E como amor com amor se paga, este desfecho apaixonado pode muito bem ser a golpada final para que "Nude", exemplo de uma pop tão iconoclasta como sentida, comece a aquecer o coração de muitos nos dias frios que se avizinham.

The Irrepressibles atuam a 15 de novembo no Lux, em Lisboa, a partir das 23 horas. O concerto, no âmbito do Misty Fest, apresenta a banda num formato mais eletrónico com o espetáculo "Nude in Electro".

@Gonçalo Sá