O Verão do Amor mais relembrado é o de 1967, quando o movimento hippie reagiu contra a Guerra do Vietname, mas foi na réplica mais discreta, e com outros contornos, registada duas décadas depois, que os Cut Copy se inspiraram para o seu quarto álbum. E nem é preciso percorrer grande parte do alinhamento para o percebermos: o arranque, com a faixa título, parece vir direitinho de 1988, ano em que Manchester foi o epicentro de uma cultura acid house, raver, hedonista, cujos efeitos se fizeram sentir na música de outras paragens.

Os teclados, bongos e segundas vozes femininas soul desse primeiro tema insinuam uma revisitação confirmada pelas outras canções (e interlúdios) de "Free Your Mind" (e por isso as guitarras ficaram quase sempre de fora desta vez). A devoção dos Cut Copy pela música de dança, em especial dos anos 1980 e de tradição britânica, está longe de ser uma novidade na obra dos australianos - quase não têm repescado outra coisa desde "Bright Like Neon Love", de 2004 -, mas nunca os ouvimos tão centrados num momento e sonoridade específicos (as noites da Haçienda ou as edições da Factory Records, pilares do fenómeno Madchester). Ao quarto disco, não chegam a livrar-se da sombra dos New Order (enquanto Dan Whitford soar tanto a Bernard Summer, vai ser difícil), embora acrescentem à lista de favoritos gente como os Primal Scream, Happy Mondays, Beloved ou 808 State, alguns dos ilustres da época repisada em "Free Your Mind".

Este rumo tão definido, mantido por um alinhamento coerente, é uma boa surpresa depois de "Zonoscope" (2011) ter deixado sinais de uma banda pouco focada, indecisa entre viragens experimentais ou um amor incondicional à pop luminosa, otimista e sem vergonha de o ser. Desta vez não há margem para dúvidas: o que aqui ouvimos é tão ou mais direto do que "In Ghost Colours" (2008), o álbum mais consensual da banda de Melbourne. Tal como esse, "Free Your Mind" parece um desfile de singles, sobretudo numa primeira metade mais vitaminada e com a pista de dança (balear, de preferência) em vista. Os Cut Copy têm noção disso, daí "Free Your Mind", "We Are Explorers" e "Let Me Show You Love", os três temas iniciais, terem sido os promissores cartões de apresentação de um disco que não desilude.

Videoclip de "Free Your Mind":

"Make love, not war", o lema da geração flower power, não chega a ser explicitamente entoado mas o ideal destas canções é descendente direto desse apelo. Praticamente não há um tema que não se centre no amor, seja conjugal ou comunitário, e o que poderia tornar-se simplista, forçado ou de gosto duvidoso cede à mestria pop (com mais ou menos acid house) de pérolas como "Footsteps" ou "Meet Me in the House of Love" (o tipo de canções que gostaríamos de ter ouvido no morno "Electric", dos Pet Shop Boys).

A voz de Dan Whitford, sem ser das mais versáteis de que nos lembramos, é perfeita para a atmosfera uplifting de um disco destes (confirmar na candura de "Walking in the Sky", capaz de derreter o cínico mais teimoso apesar do coro à Coldplay) e a produção de Dave Fridmann não fica abaixo do impecável. Depois dos psicadelismos dos Tame Impala, MGMT ou Flaming Lips, o norte-americano supera-se num disco distante desses ambientes (a contemplativa "Dark Corners & Mountain Tops" será a exceção que confirma a regra) e daquilo que esperaríamos dele.

Além da sintonia rítmica e melódica, "Free Your Mind" partilha com "In Ghost Colours" a opção por interlúdios que tornam o todo mais do que a soma das partes. Entre considerações sobre cidades vistas do céu, viagens ao deserto ou a praias paradisíacas, estes excertos de diálogos de tom planante reforçam o desejo de evasão das canções e piscam, como estas, o olho ao passado (em especial aos Orb oníricos do clássico "Little Fluffy Clouds", filho um pouco tardio do segundo verão do amor). Com uma homenagem tão óbvia ao que ficou para trás, será fácil acusar os Cut Copy de não trazerem nada de novo. "Free Your Mind" não traz, de facto. Mas é preciso ser mais do que um copista esmerado para oferecer uma trip tão alucinante - e aliciante - como esta.

@Gonçalo Sá