Apesar da produção mais polida (cortesia de Mark Ronson), apesar de Rufus Wainwright considerar este o seu disco mais dançável - e comercial ou radiofriendly -, apesar de algum otimismo roubar espaço à melancolia, "Out of the Game" não se atira ao campeonato pop da forma mais óbvia. Não, aqui não há, geralmente, canções onde ligeiro equivale a inócuo - quem quiser mais um Bruno Mars ou uns Maroon 5 continuará a procurar outros discos - nem onde a faceta "dançável" (que afinal até é bastante discreta) parte de eletrónica pujante e duvidosa, como parece ser o livro de estilo de muita da pop mais mediática.

"Out of the Game" é, de qualquer forma, um álbum diferente na discografia docantautor de "Poses" (registo de 2001 e, para muitos, ainda a sua obra-prima). A diferença, por si só, não surpreende num percurso que já passou pela pompa e ambição de "Want One" (2003) e "Want Two" (2004), por um espetáculo (não menos grandioso) que repisou o de Judy Garlandno Carnegie Hall ou até pela autoria de uma ópera, "Prima Donna".
Perto desses episódios, "All Days Are Nights: Songs for Lulu" (2010), o último disco que Rufus nos tinha apresentado, motivado pela morte da mãe, foi quase um alien: as suas canções para voz e piano, mais do que minimalistas, arriscaram-se a passar por herméticas e a deixar muitos à porta.

Videoclip de "Out of the Game":

Face a esse exercício de luto, que por vezes se confundia com autoindulgência, "Out of the Game" soa a um disco que quer ser ouvido, partilhado e trauteado - não só devido à sonoridade, mas por algumas histórias de tom menos amargurado que vai contando.
Parte da mudança poderá atribuir-se a Mark Ronson, a quem a música de Amy Winehouse ou Lily Allen não deve pouco, cuja produção torna algumas destas canções mais imediatas sem lhes retirar sofisticação - aqui com um toque retro reforçado pelos Dap-Kings, músicos que também colaboraram com a cantora de "Rehab". E se é verdade que este é um disco menos barroco do que muitos antecessores, o apelo teatral mantém-se em temas que não destoariam numa playlist com Elton John, Scissor Sisters (despidos de eletrónica) ou mesmo Queen (é difícil não pensar neles em "Rashida").

Estes nomes, assim como o piscar de olho aos anos 1970 que percorre o disco, não são necessariamente os que associaríamos ao canadiano até aqui - ou aos músicos que compõem a ficha técnica de "Out of the Game", cuja lista inclui Nels Cline, dos Wilco; Nick Zinner, dos Yeah Yeah Yeahs; Andrew Wyatt, dos Miike Snow; Sean Lennon ou a irmã de Rufus, a também cantautoraMartha Wainwright.
A cobertura das canções pode ter mudado, já o recheio nem tanto, uma vez que as letras não são assim tão solarengas. A faixa título envolve predadores que se confundem com presas, jogo que Rufus já conhece e descarta ("I'm outta the game/ I've been out for a long time now/ I'm lookin' for something/ Can't be found on the main drain, no (...) You're only a young thing/ 'Bout to sleep with a sea of men").
"Bitter Tears", incursão atípica mas convincente por teclados e sintetizadores, conjuga lamento e resignação num hino para madrugadas agridoces ("Don't want you to take me home/ Where I'm alone/ Racking on my tears and cry (...) But in discussing with the morning it's gonna be okay").
"Sometimes You Need", um dos momentos mais serenos, relembra-nos do que a voz de Rufusé capaz sem recorrer a malabarismos - e louva o conforto de estranhos, fazendo a ponte com os seus primeiros discos ("Sometimes you need a stranger to walk with/ Sometimes you need to go to the dog park").
E "Candles", a fechar, tem direito a um bonito e inesperado epílogo com gaita de foles, numa nova dedicatória à mãe ("I tried to do all that I can/ But the churches have run out of candles").

Mas a vida não tem só tristezas e a de Rufus até tem tido algumas alegrias. É o caso da relação aparentemente estável com o seu companheiro, Jörn Weisbrodt, ou do nascimento da filha, Viva, a quem dedica "Montauk", temaem quebrinca com clichés gay ("One day you will come to Montauk/ And you will see your dad wearing a kimono/ And see your other dad pruning roses/ Hope you won't turn around and go"). "Rashida", mais sarcástica, é uma farpa lançada a devotos de feiras das vaidades e "Welcome to the Ball", talvez o episódio mais faustoso, sugere que o próximo passodo cantautorpoderá ser num palco da Broadway.

O palco é, de resto, território onde Rufus Wainwright costuma estar bastante à vontade, por isso quem não se deixar convencer por "Out of the Game" - que embora agradável, não será o seu álbum de referência - talvez o reavalie nesse cenário. Por cá, já há dois concertos agendados para tirar as dúvidas: no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, a 7 de junho, e no Optimus Primavera Sound, no Parque da Cidade, no Porto, no dia seguinte. Mais ou menos pop, deverão marcar pontos num jogo que não parece terminar tão cedo.

@Gonçalo Sá