"Isto foi quase um festival", comentavam dois espectadores de vinte e poucos anos à saída do concerto do autor de "I'm Your Man" ou "Suzanne", o terceiro em Lisboa em três anos consecutivos (que não esgotou, mas quase).

E de facto, nas quase três horas e meia de espectáculo (interrompidas por um intervalo de vinte minutos), Leonard Cohen mostrou uma energia impressionante enquanto revisitou vários recantos da sua carreira (que ultrapassa já as quatro décadas), numa viagem entre épocas e géneros onde não faltaram momentos de eleição para todos os tipos de espectadores - e a heterogeneidade do público foi evidente, embora grande parte estivesse já na meia idade.

Quinze minutos depois da hora marcada, o cantor e compositor (e monge, e escritor...) entrou saltitante em palco, gerando desde logo uma empatia que nunca se mostrou ligeiramente ameaçada. E embora a noite estivesse por sua conta, não perdeu tempo: depois de um breve cumprimento ao público, atirou-se logo a "Dance Me To The End of Love", o já habitual tema de abertura da maioria dos concertos da sua digressão actual (a Leonard Cohen World Tour, que arrancou em 2008 e termina em Dezembro).

Ao longo das três horas que se seguiram, a sua voz quente e grave comandou canções que oscilaram entre a languidez e o mistério, a festa e a solenidade, a entrega e desencanto. Fulcral para um concerto que se manteve quase sempre envolvente, a sua banda (dos músicos às três cantoras de apoio) mostrou uma química e atitude que denunciou a intensa rodagem em palco - e por isso não surpreendeu que, tanto nos momentos de celebração como nos mais introspectivos, o espectáculo nunca tenha perdido a coesão.

Mais versatilidade do que surpresas

Apresentando-se, como habitual, com um fato negro e chapéu (cuidadosamente retirado para os frequentes agradecimentos), Cohen ofereceu canções que, mais do que de outros tempos, soaram intemporais, numa idiossicrática conjugação de folk, blues, gospel ou rock.
Por vezes de tons negros, quase sufocantes (como "Everybody Knows"), noutros mais dolentes e contemplativos ("Ain't No Cure for Love" ou "Chelsea Hotel #2"), em desvios jazzísticos ("Boogey Street", que deu protagonismo à presença imponente de Sharon Robinson) ou inesperadamente angelicais (na belíssima "If It Be Your Will", cantada pelas Webb Sisters e com direito a harpa), o alinhamento dificilmente terá ignorado alguma faceta do autor de "Hallelujah" (um dos temas mais celebrados, até porque um dos seus versos foi alterado para referir "a grande cidade de Lisboa").

Claro que, para quem viu os dois concertos anteriores em Portugal ou conhecia o álbum e DVD "Live in London" (que retrata esta digressão), a surpresa não terá sido a tónica dominante da noite. E admita-se que, mesmo somando alguns belos momentos, o alinhamento poderia ter abdicado de alguns temas (apesar de tudo, saltaram alguns bocejos numa ou noutra ocasião). Mas estes foram apenas pormenores que não ofuscaram o essencial: Leonard Cohen mostrou-se em óptima forma, algo que infelizmente não se viu noutros veteranos que passaram por Portugal nos últimos anos (caso das actuações algo monolíticas de Bob Dylan ou Neil Young).

Uma longa despedida

E se alguns momentos foram mornos, o desfecho revelar-se-ia apoteótico, numa sucessão de falsos finais e sucessivas entradas e saídas do músico em palco (dificultando a contagem de encores e acumulando olhares estupefactos).
"I tried to leave, I will not deny", cantou Cohen num dos últimos temas, "I Tried to Leave You", verso/confidência capaz de alargar os sorrisos do público (que entretanto já o tinha aplaudido de pé várias vezes).
Após uma nova e eloquente apresentação da banda feita pelo mestre de cerimónias, cada elemento teve oportunidadede brilhar ao longo dessa canção (com destaque para as cantoras e saxofonista), e pouco depois chegaria a última ocasião em que o cantor canadiano se dirigiu aos espectadores, de forma visivelmente emocionada: "Obrigado por manterem as nossas canções vivas ao longo de todos estes anos. Agradecemos profundamente". Ora essa, Sir Cohen.

Texto @Gonçalo Sá

Fotos @Vera Moutinho

Alinhamento do concerto:

Primeira parte:

1. Dance Me to the End of Love
2. The Future
3. Ain't No Cure for Love
4. Bird on a Wire
5. Everybody Knows
6. In My Secret Life
7. Who by Fire
8. The Darkness
9. Born in Chains
10. Chelsea Hotel #2
11. Waiting for the Miracle
12. Anthem

Segunda parte:

13. Tower of Song
14. Suzanne
15. Sisters of Mercy
16. The Gypsy Wife
17. Feels So Good
18. The Partisan
19. Boogie Street
20. Hallelujah
21. I'm Your Man
22. Take This Waltz

Encores:

23. So Long, Marianne
24. First We Take Manhattan
25. Famous Blue Raincoat
26. If It Be Your Will
27. Closing Time
28. I Tried to Leave You
29. Heart With No Companion

Leonard Cohen - "Hallelujah":