"Há uma onda de calor a atravessar a Europa. Os Hives estão em digressão pela Europa. Coincidência? Não me parece", confidenciou Pelle Almqvist, o muitíssimo comunicativo vocalista da banda sueca, ao público de um Capitólio esgotado (e sim, consideravelmente acalorado). Apesar de o grupo ter regressado à capital pouco mais de um mês depois da atuação no MEO Kalorama, no Parque da Bela Vista, não deixou de ser recebido por uma casa cheia e sempre vibrante, talvez para compensar um longo hiato.
"The Death of Randy Fitzsimmons", o sexto álbum de uma das maiores exportações do rock escandinavo das últimas décadas, foi editado em agosto, onze anos depois do antecessor, "Lex Hives" (2012), e é dos mais coesos de uma discografia que ganhou outros voos ao segundo longa-duração, "Veni Vidi Vicious" (2000), mesmo que não traga novidades de maior. Mas esta música também nunca quis mudar paradigmas e vale-se de canções tão certeiras como orelhudas e económicas (muitas não chegam aos três minutos de duração), com potencial para saltarem da garagem para o estádio. Ou, como foi o caso na passagem mais recente por Lisboa, para uma sala composta por um público dedicado e heterogéneo (a faixa etária ia da adolescência aos 50 ou mais além, as t-shirts de bandas envergadas traduziam essa diversidade).
Ainda assim, não foi com novos nem antigos hinos punk que a noite arrancou. A entrada dos Hives em palco fez-se ao som da marcha fúnebre de Chopin - como já tinha acontecido no espetáculo do MEO Kalorama, do qual este não se afastou muito em geral -, início apropriado para apresentar um álbum assente na morte de um cúmplice fictício do quinteto. Não que o luto tenha durado muito: "Bogus Operandi", um dos singles de "The Death of Randy Fitzsimmons", foi disparado repentinamente e acolhido como um clássico.
A receção calorosa a um tema novo, entoado por parte assinalável do público, não é, diga-se, algo de que muitas bandas se possam orgulhar. Mas esta também não é uma banda qualquer. "É melhor do que qualquer coisa que já tenha existido em todos os tempos", garantiu o vocalista, cujo à-vontade (ou descaramento) no autoelogio hiperbólico se tornou obrigatório e está entre os maiores fatores distintivos destes suecos ao vivo.
O GRANDE SHOWMAN
Dirigindo-se às "senhoras, cavalheiros e todos os outros" (assim mesmo, em português, e às vezes em inglês) entre quase todos os temas, Almqvist assegurou o generoso capital de simpatia que sempre marcou as atuações do grupo por cá.
A tagarelice, desconcertante e hilariante, acompanhou uma postura inquieta desde os primeiros minutos, com o anfitrião a correr o palco ou a plateia e a não mostrar pruridos em pedir palmas e gritos. "Mãos para cima!", ordenou à segunda canção, "Main Offender" (um dos pilares de "Veni Vidi Vicious", recebido com fresenim à altura do estatuto), e repetiria o comando inúmeras vezes sem que alguém se queixasse.
Mas o vocalista também aderiu a pontuais solicitações do público. Cumprimentou uma espectadora que fazia anos e pediu que os restantes lhe cantassem os parabéns em português, além de ter tranquilizado outro que segurava um cartaz no qual se lia "See Through Head". "Não te preocupes, vamos tocar essa", disse sobre a canção de "Tyrannosaurus Hives" (2004) guardada para a reta final do concerto.
Já no encore, a meio da particularmente estrondosa "Tick Tick Boom" (há títulos que não enganam), conseguiu que quase todos se sentassem antes de os incitar a saltar. Um contraste com "Good Samaritan", durante a qual a banda "congelou" durante vários segundos, outra manobra de diversão de uma noite cheia delas: entre as mais inusitadas estão ninjas que tanto se encarregaram do soundcheck como tocam pandeireta. Porque o espetáculo tem de continuar e os suecos são tão hábeis em desenhar um como a articular riffs em colossos como a inevitável "Hate to Say I Told You So" ou "Countdown to Shutdown"
(este um tema novo, mas nem por isso menos abraçado, noutro episódio impressionante e com mosh a preceito).
A lamentar, só mesmo a duração, que foi pouco além de uma hora - não muito mais do que a do concerto no MEO Kalorama. Mas reconheça-se que foi uma hora intensa e suada como poucas, com toda a banda a dar (literalmente?) o litro, sem quebras de ritmo e a manter o fulgor pelo qual se começou a fazer notar há 30(!) anos. Randy Fitzsimmons morreu, os Hives renasceram e são surpreendentemente vitais.
Na abertura, as Bratakus serviram uma primeira parte com uma descarga de energia que fez inteira justiça à que se seguiu. Composta pelas irmãs Breagha (guitarra) e Onnagh Cuinn (baixo), a banda escocesa trouxe canções de feminismo declarado, a apontar o dedo a padrões de beleza inalcançáveis ou situações de abuso e desconforto, mas que não se levaram demasiado a sério ao também versarem, com humor negro q.b., sobre ecos de filmes de terror ou "corpos em decomposição". Música extrema, acelerada e vertiginosa, lembrou a escola riot grrrl ou a Courtney Love dos primeiros dias dos Hole e teve no entrosamento das duas vozes um dos elementos mais aliciantes. Mas provavelmente soaria ainda melhor no formato power trio, em vez de ter a bateria pré-gravada - limitação compreensível numa dupla que assumiu ser adepta da lógica "do it yourself", da edição à promoção, e que terá deixado muitos curiosos quanto ao EP que prepara para o Halloween, no final deste mês.
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