Sem datas ou locais ainda fechados, há já, pelo menos, dois espetáculos previstos, para janeiro e abril, disseram as duas atrizes, numa entrevista concedida à agência Lusa, acrescentando que preveem continuar a digressão da peça ao longo do próximo ano.
Estreada em abril no auditório municipal com o nome da atriz, em Oeiras, e depois de uma digressão por várias cidades portuguesas, a peça voltou ao palco onde se estreou, para nove representações, de 3 a 26 de setembro, após um internamento hospitalar de Eunice Muñoz por três semanas.
Com texto do autor alemão Franz Xaver Kroetz (1946), a peça revela-se “uma longa didascália” “sem monólogo e sem diálogo”, no qual a senhora Rasch, personagem partilhada pelas duas atrizes, convida os espectadores a assistirem a um final de tarde num dos seus dias repetidos, igual a todos os anteriores.
“A margem do tempo”, que tem música original de Nuno Feist e encenação de Sérgio Moura Afonso, põe diante do público a humanidade de uma mulher mais velha, Eunice Muñoz, que vai relembrando a monotonia dos dias repetidos, que se materializam numa mais nova senhora Rasch, Lídia Muñoz, que vai caminhando em direção ao seu “eu mais soturno e nostálgico”.
Numa leitura mais superficial, a peça pode parecer centrar-se em coisas banais, mas, com o decorrer da ação, acaba por se perceber que nada há de trivial no que é posto em palco e que marca o quotidiano de tantas mulheres operárias.
A peça assinalou o regresso da decana das atrizes portuguesas ao teatro após um afastamento dos palcos desde 2012, quando viu cancelada a reposição, no Teatro D. Maria II, de “O comboio da madrugada”, de Tennessee Williams.
Encenada por Carlos Avilez, a peça estreara no ano anterior, no Teatro Experimental de Cascais (TEC), assinalando os 70 anos de carreira da atriz. Na altura dos ensaios no D. Maria II, a atriz caiu, fraturou os dois punhos e lesionou a cervical, impedindo a estreia naquela sala no Rossio de Eunice Muñoz no papel de Flora Goforth, uma antiga artista de variedades milionária, num elenco em que já pontuava a neta.
Para a atriz que personificou peças como “Outono em flor”, de Júlio Dantas (1948), e “Espada de Fogo”, de Carlos Selvagem, contracenando com Palmira Bastos, ou em comédias celebrizadas no cinema por Ernst Lubitsch, como “Ninotchka” (1950) de Melchior Lengyel, ao lado de Igrejas Caeiro, e “A loja da esquina” (1951), de Edward Percy, “A margem do tempo” representa uma entrega da carreira “mãos da neta”.
“Por ter a maior confiança nela”, ter “a certeza de que ela vai fazer uma carreira”, reconhecendo-lhe “muito talento” e sublinhando que “é uma grande satisfação tê-la” ao seu lado, acrescentou à Lusa.
Sobre a escolha da peça, que Eunice Muñoz admitiu ter sido “um desafio” e que gosta muito de a representar, por nunca ter interpretado nenhuma peça “sem falas”, a neta Lídia sublinhou a “dificuldade” sentida por todos em encontrar um texto que Eunice Muñoz nunca tivesse feito em 80 anos de carreira e que a desafiasse.
Ambas sublinharam o “brilhante trabalho” que o encenador Sérgio Moura Afonso teve em adaptar para duas atrizes o texto que o autor alemão concebera para um monólogo.
Sobre o facto de voltar a trabalhar ao lado da avó, agora numa peça apenas paras as duas, a jovem atriz, que tem feito vários trabalhos no teatro, desde ponto a assistente de encenação considerando todos importantes, disse ter optado pelo teatro “para fazer o seu caminho”.
Uma escolha tardia na vida da jovem atriz, que disse ter sido “arrastada” para o teatro desde muito nova, acompanhando a avó desde bebé quer em ensaios ou, mais tarde, assistindo aos espetáculos que a idade lhe permitia.
Apesar disso, só “muito tarde” escolheu o teatro, decidindo fazer o curso de interpretação da Escola Profissional de Teatro de Cascais e a licenciatura em teatro, no ramo atores, da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa.
Aos 30 anos, Lídia Muñoz sente a “responsabilidade e o peso” de carregar o nome da avó, que a obrigou a ter de ganhar “muito mau feitio” para se desligar dos comentários negativos de que foi alvo.
“É muito pesado ser neta da Eunice Muñoz? É. Mas que orgulho, que sorte que eu tenho”, disse Lídia Muñoz.
E isso “ultrapassa tudo; podem dizer o que quiserem, quem está aqui sou eu”, sublinhou.
Sobre a escolha de “A margem do tempo” para Eunice Muñoz abandonar os palcos, as atrizes lamentam que o texto acabe por funcionar “apenas quase como uma grande sinfonia musical” para invisuais, por não ter falas.
Uma constatação com que se confrontaram numa das representações no auditório municipal com o nome da atriz, em Oeiras, a que assistiu um invisual e para a qual nunca se tinham apercebido da impossibilidade de “fazer ouvir a voz de Eunice Munõz” a todos que a queriam ouvir na peça com que despede de uma vida e carreira de teatro.
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