
"Camões na Eternidade do Tempo", a designação do programa do concerto, conjuga duas obras do compositor Nuno Côrte-Real: "Se misericórdia e amor não vos atara", sobre o soneto "Cristo Atado à Coluna", de Camões, e "Time Stands Still", a partir de sete canções do mestre renascentista inglês John Dowland, articuladas com outros tantos interlúdios instrumentais dedicados a compositores contemporâneos, como António Pinho Vargas e Mats Lidström.
As obras serão interpretadas pela soprano Ana Quintans, como solista, o ator Vitor D'Andrade, na declamação, e o Ensemble Darcos, sob a direção de Nuno Côrte-Real.
O concerto, integrado no programa Música na Universidade de Lisboa, decorre no âmbito da Temporada Darcos, e por isso também será apresentado hoje à noite no Centro de Artes e Criatividade de Torres Vedras, cidade onde a associação Darcos é residente.
"Se misericórdia e amor não vos atara", que toma para título o primeiro verso do soneto, nasceu de uma encomenda do Mosteiro dos Jerónimos a Nuno Côrte-Real, no contexto do quinto centenário do nascimento de Luís de Camões. Na base da encomenda, está um relevo em pedra, à entrada do refeitório do mosteiro, que retrata Cristo atado a uma coluna.
Quando da descoberta do soneto num manuscrito do século XVII, em 2022, Nuno Júdice (1949-2024) disse à agência Lusa que Camões desenvolve nesta obra "uma ideia nada ortodoxa” com o catolicismo vigente na época, ao argumentar que o amor liberta. Segundo Júdice, o poeta escreve que "Cristo é torturado", mas revela-se livre através do "amor à humanidade".
Na música, Nuno Côrte-Real dá voz ao poema, primeiro recitado, depois cantado, sempre "envolto num panejamento musical a seu tempo onírico, apaixonado, tenso, abrupto, pulsante e discordante, num jogo tímbrico de lirismo", como se lê na descrição da obra.
A versão recitada de "Se misericórdia e amor não vos atara" foi interpretada em junho do ano passado, na apresentação da programação oficial das comemorações dos 500 anos do nascimento de Camões.
A presença de "Camões na Eternidade do Tempo" é sublinhada com a interpretação de "Time Stands Still" ("O tempo mantém-se imóvel" ou "A eternidade do tempo", em tradução livre), obra anterior de Côrte-Real, resultado de uma encomenda do Centro Cultural de Belém para o Festival Dias da Música, em 2019.
Nesta obra, as sete canções de John Dowland, todas contrastantes entre si, "ora melancólicas, ora animadas, sempre expressivas", são intercaladas por uma pequena peça instrumental, num testemunho de afinidades de Nuno Côrte-Real com universos musicais distintos.
"Time Stands Still" traduz-se assim numa "simbiose, informal e descomplexada", segundo a apresentação da obra, que passa pelos compositores Sérgio Azevedo, António Pinho Vargas, Eurico Carrapatoso, Christopher Bochmann e Mats Lidström, pela cantora Maria João ("Lady Maria João's Improvisation") e que desagua nas últimas palavras escritas por Fernando Pessoa: "I know not what tomorrow will bring" ("Não sei o que o amanhã trará").
Em Torres Vedras, hoje, o concerto "Camões na Eternidade do Tempo" tem início às 21:30. Em Lisboa, no auditório do Pavilhão de Portugal, o começo está marcado para sexta-feira, as 21:00, com entrada livre, limitada à lotação do espaço.
O Pavilhão de Portugal, desenhado para a Expo'98 pelo arquiteto Álvaro Siza, reabriu no passado dia 30 de abril, integrado na estratégia académica e cultural da Universidade de Lisboa, e tem patente a exposição "Meu matalote e amigo Luís de Camões".
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