Esta apresentação marca o arranque da programação do Cultura Portugal deste ano, uma iniciativa coordenada pela embaixada portuguesa em Madrid que envolve dezenas de iniciativas em vários pontos de Espanha.
Carlos Bunga vive há 12 anos em Barcelona, é atualmente um dos nomes portugueses da arte contemporânea com mais projeção internacional, com exposições em museus espanhóis e norte-americanos, e acabou de chegar do Brasil, onde tem uma obra na Bienal de São Paulo.
Apesar de estar "com muitas coisas", aceitou "com muito gosto" o convite que hoje culmina com a apresentação "única e irrepetível" de uma "obra final coletiva", fruto de dias de trabalho com um grupo de crianças e adolescentes, disse o artista à Lusa.
"É daquele tipo de projetos que quando fazes, sentes que a vida faz mais sentido. São coisas com que contribuis muito mais para a sociedade, para as pessoas", afirmou.
Carlos Bunga selecionou obras que fazem parte da coleção do Prado de grandes mestres da pintura como Bosco ou Goya para desenvolver o trabalho com os jovens que, em muitos casos, e apesar de viverem em Madrid, nunca tinham ido ao museu.
A partir das obras que selecionou, trabalhou com os jovens um conceito e uma ideia que marcam a sua obra e a sua própria vida: o conceito de nomadismo e a ideia de casa.
"Queria que fosse um projeto que através da arte fosse como que transformador. Que a ideia de casa tocasse diretamente a identidade, a autoestima, esse lado mais pessoal dos participantes, miúdos que vêm de um espaço mais marginalizado. Queria que fosse um tema que soldasse com a ideia de casa e que pudesse tocar questões que eu penso que são importantes nestes contextos porque, na verdade, o que é a tua casa? O que é a minha casa? A casa tem várias capas e várias coisas", explicou.
Carlos Bunga nasceu no Porto em 1976, mas chegou a Portugal antes, na barriga da mãe, que saiu de Angola grávida numa das pontes aéreas que então ligaram cidades portuguesas aos países africanos que tinham sido colónias e que acabavam de conquistar a independência.
A barriga da mãe foi a sua primeira casa, "uma casa orgânica", e depois sucederam-se outras, como o Forte de Peniche, que tinha deixado de ser uma prisão de presos políticos e se transformou num alojamento de emergência para famílias, essencialmente africanas, que tinham chegado a Portugal naquelas pontes aéreas.
Viveu cinco anos no Forte de Peniche, que nas suas memórias de criança era "um castelo gigante" e sinónimo “de alegria” e brincadeiras. A família foi depois para uma "casa pré-fabricada" do Estado, mais uma das muitas casas em que viveu "desde pequenino".
"Essa ideia de nomadismo para mim é muito, muito, muito importante, porque, no fundo, as casas também acho que somos nós", disse à Lusa, em Madrid.
"A ideia de casa, a ideia de nomadismo são conceitos que eu tenho na minha obra, que tenho desenvolvido durante estes anos todos", acrescentou.
Os dois conceitos estão presentes, por exemplo, nos materiais que usa (como o cartão) ou nas técnicas: "O meu trabalho não é só a pintura e a escultura, é uma coisa intermédia, entre várias coisas. É um trabalho mais híbrido entre a pintura, a escultura, a arquitetura, o desenho, a fotografia, as performances, os bailarinos. Intencionalmente, fui desdobrando um trabalho que tem muito também essa componente de nomadismo.”
Carlos Bunga acredita que "a arte é um mecanismo transformador do mundo e das pessoas".
"Digo sempre que a arte me salvou a nível pessoal. No modo como cresci, encontrei um caminho na arte, no meu modo de estar na vida. A vida ganhou sentido, acredito que a arte funciona também como uma terapia", afirmou.
A arte, explicou, sempre o acompanhou, desde que era "um miúdo bastante calado e tímido, também pela pressão social".
“Desenhar, pintar, mas principalmente o desenho", sempre estiveram presentes e ajudaram-no a expressar-se.
"As comparações sociais fazem com que sejas um miúdo mais tímido, com uma autoestima talvez um pouco mais baixa ", afirmou.
A arte esteve sempre presente e "depois foi sendo canalizada", sobretudo, por pessoas com quem se foi cruzando, como amigos e vários professores, logo nos primeiros ciclos do ensino, até acabar na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha.
Em 2003, venceu o prémio EDP Jovens Artistas e seguiu-se uma carreira internacional, que já levou o seu trabalho a centros de arte contemporânea de cidades como Porto, Londres, Madrid, Barcelona, Valência, Nova Iorque, Zurique ou a Cidade do México.
"No caminho fui encontrando pessoas que me foram direcionando e aqui a escola pública teve um papel muito importante na minha vida, porque eu sempre tive apoios do Estado e isso sempre me ajudou a seguir, além dos professores", vincou.
Para Carlos Bunga, a arte "tem um elemento revolucionário, tem algo que realmente transforma, que funciona como terapia, é uma arma muito forte" e "o papel do Estado, nesse sentido, é muito importante", nomeadamente com apoios ou a promoção de iniciativas como a de hoje no Museu do Prado, que democratizam a arte e o acesso à arte.
"A arte devia ter essa componente democrática e ser aberta ao mundo, para acabar com a ideia de que é uma coisa elitista, uma coisa só para poucos", defendeu.
Carlos Bunga sublinhou também a importância determinante de entidades privadas que financiam projetos e residências artísticas com bolsas.
As bolsas e as residências foram a sua "estratégia de sobrevivência" nas fases iniciais da carreira, em que a sua obra tinha ainda pouca ou nenhuma saída comercial. Só as bolsas e as residências artísticas lhe permitiram estar hoje no Museu do Prado.
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