A livraria Aqui Há Gato, situada no centro histórico de Santarém, fechou a 14 de março devido à pandemia da COVID-19, acabando igualmente as oficinas e as atividades dos sábados, bem como as histórias e os espetáculos nas escolas e teatros em vários pontos do país.
Sem conseguir imaginar o futuro do espaço e de todas as atividades a ele associadas, nem como poderá continuar a garantir o salário de uma colaboradora e dela própria, Sofia Vieira, psicóloga educacional, atriz e contadora de histórias, preocupa-se, para já, em não perder o contacto com as crianças que eram já “um grupo familiar” e continuar a “levar-lhes alegria”, agora a suas casas.
Iniciou, nas páginas do Facebook e do Instagram, diretos diários – às 11h30 e às 21h00 – que, não esconde a surpresa, lhe trouxeram novos amigos de todo o país e também de comunidades portuguesas no estrangeiro e de países de língua oficial portuguesa.
“Um dos vídeos teve mais de 9.000 visualizações em 24 horas”, disse à Lusa, emocionando-se ao relatar “o retorno humano extraordinário” que recebe do contacto diário que mantém com as crianças, mesmo sem o calor de as ter perto e sem a possibilidade de se olharem e tocarem.
“Estamos todos a viver momentos de ansiedade, de incerteza, alguns até de medo”, disse, contando como pais que nem conhece a contactam, contando como os filhos ficam “vidrados na história” e como, “naquela meia hora, são transportados para outra dimensão”, mensagens que se vão multiplicando nos ‘posts’ que gente de vários pontos do país deixa no Facebook, onde os seguidores se aproximam dos 18.000, a que se juntam os cerca de 4.000 na conta do Instagram.
A iniciativa, gratuita, não paga contas, pelo que a Aqui Há Gato, que tem sido uma das “livrarias preferidas” dos portugueses desde que a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros instituiu o prémio, começou a vender online.
“Em Santarém, vou eu própria entregar os livros à casa das pessoas e também tenho enviado pelo correio para vários pontos do país”, relatou.
Nas suas “hora do conto” em direto, para as quais escolhe diariamente livros das pequenas editoras independentes com as quais trabalha e se empenha em divulgar, Sofia mantém a preocupação das sessões ao vivo, tendo agora por companhia apenas o Epá, a Petinga e a Migas, a gata malhada que substituiu a Maçaroca, a gata que fazia já parte da livraria e que “partiu” o ano passado.
“Quando tenho os miúdos à frente vejo as idades. Agora, como só vejo telemóveis, não é fácil”, disse, sublinhando a preocupação em “ter ritmo, ter alegria, momentos de reflexão, um pouco de tudo” em “histórias rápidas, simples de contar”, que, à noite, procuram ser “mais tranquilas”.
Não conseguindo antever como vão ser os próximos tempos, mas na previsão de que, durante meses, não poderá reabrir o espaço, nem ir às escolas ou aos teatros, Sofia Vieira não pondera recorrer a linhas de financiamento, que só servem para “endividar” e deixar o futuro “ainda mais incerto”, e sabe que o ‘lay-off’ simplificado “não vai durar”.
Para já, pediu “uma atenção” ao senhorio para os atrasos no pagamento da renda e saúda a iniciativa das editoras, de prolongarem as datas de vencimento das faturas e de reduzirem as margens.
A Câmara de Idanha-a-Nova encomendou-lhe um vídeo e a de Almada já lhe disse que vai pagar o espetáculo que estava agendado para este mês e que terá de ser reagendado para quando for possível.
“A minha cabeça não para. Vamos ter de ter capacidade para nos reinventarmos, procurar novas ideias, pensar numa solução para os próximos tempos”, disse, salientando que, na incerteza quanto ao tempo em que vão durar medidas de contenção, “é preciso sobreviver”.
“Há 13 anos, foi através das histórias que comecei. Quando fechei a porta foram as histórias que me salvaram. Alguma coisa há de surgir. Vai ser diferente e não tem de ser pior”, declarou.
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