Sem nunca ter encenado uma peça do dramaturgo russo Anton Tchekhov (1860-1904), de que gosta muito, João Mota volta agora à dramaturgia do norte-americano Tennessee Williams, desta vez com uma adaptação de “A gaivota”, depois de, em 1990, ter encenado o autor de "Um elétrico chamado desejo", ainda com Manuela de Freitas no elenco da Comuna.
“É uma peça de que gosto muito", “Os apontamentos de Trigorin” e "A gaivota". "Primeiro gosto muito de Tchekhov, e a Comuna vai fazer 47 anos e a verdade é que nunca fiz Tchekhov. Na altura [1990], pensei fazer porque estava cá Manuela de Freitas. Tchekhov é um autor de que gosto muito, mas tive sempre medo de não ter atores para o fazer”, confessou João Mota à agência Lusa, à margem de um ensaio para a imprensa de “Os apontamentos de Trigorin”.
Depois de ter lido a adaptação de Tennessee William (1911-1983) de “A gaivota”, numa tradução que lhe forneceu o também dramaturgo Armando Nascimento Rosa há perto de cinco anos, João Mota afirmou ter achado “muito interessante” a junção do “impressionismo com o expressionismo”, patentes nesta peça.
“Porque Tchekhov é um autor praticamente do impressionismo realista, e Tennessee Williams é mais expressionista dentro do realismo”, sustentou.
O “lado poético” dos dois dramaturgos, o “lado do sonho” e “o lado das interioridades", o “lado subterrâneo das personagens” é, porém, a faceta dos dois autores que mais fascina João Mota e que fez com que regressasse agora ao dramaturgo norte-americano, mesmo sem Manuela de Freitas para dirigir.
Embora tenha convidado a atriz para voltar aos palcos e esta ter recusado, como afirmou à agência Lusa, João Mota decidiu encenar “Os apontamentos de Trigorin”, numa “altura que continua a ser difícil para o teatro” ainda que a Comuna esteja “agora a realizar as tão desejadas e necessárias obras” no edifício, acrescentou.
“Os apontamentos de Trigorin” giram em torno da história de Constantine, um jovem escritor, sensível, cuja busca pelo amor, pela arte e aceitação é maior do que a própria vida.
A trama dramatúrgica centra-se, assim, em Constantine e na estreia da sua nova peça perante amigos, familiares e Nina, a jovem atriz por quem nutre sentimentos profundos.
Madame Arakadina, mãe de Constantine e atriz famosa, é outra das personagens principais desta peça. Mulher e mãe dominadora, diz a todos que abomina o trabalho do filho, fazendo com que este se sinta cada vez mais amargurado com a vida e a arte, mas sem que deixe de amar Nina.
Todavia, Nina só tem olhos para o escritor Trigorin, companheiro de Arakadina, mas cada vez mais desejado por Nina, o que leva a que Constantine seja dominado pela raiva e pelo ciúme.
Uma peça que vive muito em torno das “máscaras” que se escondem por trás de cada ser humano, pelo lado secreto das personalidades que nem sempre se deixam vislumbrar.
Daí que tenha também sido o prazer dos “silêncios, dos olhares, das cenas simultâneas e do lado subterrâneo e subliminar das personagens” que encantaram João Mota.
“O lado do esconde-esconde e dos amores trocados” como lhes chama João Mota, e que o levaram agora a pô-la em cena- uma aventura que não é fácil em tempos “difíceis como os que continuam a viver-se”, disse João Mota, tanto mais que a peça conta com um elenco de 11 atores.
Outro dos aspetos que impressionou João Mota nesta adaptação do clássico de Tchekhov foi o “lado de modernidade” que Tenneesse Williams quis dar à obra do dramaturgo russo.
Para o criador de "A noite da iguana", a peça levou anos a escrever. O dramaturgo norte-americano alterava-a com frequência, ao pretender fazer Tchekhov “de uma forma nova”, disse.
Num cenário clássico, onde imperam os móveis de estilo e algumas cores fortes, extensíveis ao figurino, Bárbara Blanco, Carlos Paulo, Carlos Vieira de Almeida, Custódia Gallego, Guilherme Filipe, Hugo Franco, Igor Sampaio, Luís Garcia, Madalena Brandão, Miguel Sermão e Teresa Côrte-Real preenchem o elenco da peça, que tem figurinos de Carlos Paulo e versão cénica e encenação de João Mota.
“Os apontamentos de Trigorin” vão estar em cena a partir do próximo dia 25, até 16 de dezembro, com espetáculos de quarta-feira a sábado, às 21:30, e, aos domingos, às 16:00.
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