Acaba de estrear-se no Festival de Berlim (decorre entre 16 e 26 de fevereiro) uma adaptação desta história de Henry James que se adivinha bastante singular. Patric Chiha, o realizador, resolveu situar a “ação”, decorrida a partir dos anos 1970, nas noites de um clube, onde os protagonistas John Marcher e May Bartram estão à espera que um extraordinário, grande momento, ocorra. Essa sensação durará décadas.
A abordagem francesa segue o caminho já percorrido por uma adaptação brasileira de 2017 e outra holandesa de 2019. Bertrand Bonello, um dos grandes realizadores franceses da atualidade, trabalha atualmente na sua própria versão.
É curioso o fascínio dos cineastas por essa teia de ambiguidades mentais construída por James - cujo mínimo de enredo e de “imagens” que suscita o coloca numa posição muito distinta dos clássicos do autor que já inspiraram dezenas de adaptações fílmicas.
Nesta rede de sentimentos, devaneios e no plácido relacionamento que John Mercer desenvolve com May, que reencontra depois de muitos anos e com quem partilha esse seu grande segredo, não se encontra facilmente os requisitos para a espetacularidade do cinema.
Labirintos mentais
Uma adaptação livre é o mínimo que se poderia esperar de uma história decorrida em ruminações acerca da crença do protagonista de que algo avassalador (a fera que está à espreita, conforme o título) um dia vai decorrer na sua vida.
Inicialmente uma história sobre expectativa e inquietude, que inicia no calor da redescoberta da amizade entre ambos, a trama vai evoluindo na medida em que o protagonista, John, aprofunda a sua relação com May (o tal acontecimento avassalador pode ser apenas o facto de ela comprar uma casa em Londres e viver perto dele, como admite a certo momento) para, mais adiante, tomar um caminho muito mais sombrio.
O estreito relacionamento entre ambos pode nunca ser consumado como romântico, embora algum tipo de amor nunca possa ser excluído - reforçando um tema caro ao autor: a existência “imaterial” do sujeito, com todas as suas dolorosas consequências.
Um “puzzle” aberto
A narrativa centra-se numa lógica interna que privilegia os pensamentos dos personagens e as interpretações destes aos factos. Essa característica contribui para que o leitor termine por construir a sua própria lógica - como um “puzzle” aberto. O livro converte-se numa alegoria existencial, onde o escritor jamais dá ideia das mudanças que decorrem no mundo fora da realidade mental dos protagonistas. O final, emocionalmente muito forte, traz algumas imagens inesquecíveis.
“A Fera na Selva” (“The Beast in the Jungle”, no original), é um texto da terceira fase de Henry James e pertence, justamente, a um momento onde o seu trabalho se torna mais experimental e lhe rende a alcunha de “impressionista”. O conto foi publicado inicialmente em 1903 na coletânea “The Better Sort”. James legou alguns dos maiores clássicos da literatura americana - entre os quais “A Volta do Parafuso”, “Retrato de uma Senhora”, “Os Europeus” e “Os Bostonianos”.
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