A segunda edição do festival Primavera Sound, no Porto, começou esta quinta-feira, no Parque da Cidade. Nick Cave foi, sem dúvida, o homem da noite, mas muito mais há para contar.
Não há hábito mais tipicamente português do que começar uma conversa recorrendo ao assunto tempo. Pois bem, nada melhor do que iniciar o relato do dia de ontem fazendo o mesmo. Vento. Muito vento. Qualquer ideia de iniciar a tarde com uma passagem pela Foz ficou completamente adiada. Talvez assim tenha sido melhor, passar o resto da noite com areia entre os dedos dos pés seria no mínimo desconfortável.
Roubando a expressão de outro festival, também a norte, o anfiteatro natural ao ar livre do Parque da Cidade rapidamente foi vendo a mancha verde sendo preenchida por retalhos laranja e a moldura foi-se compondo. Os sacos oferecidos pela organização ora serviram como toalha de piquenique, ora como mesa de um ou outro jogo de cartas, como lenço ou cobertor para os mais friorentos ou, ainda como majestosa capa para aqueles que incorporaram a personagem do super festivaleiro.
Apenas na sua segunda edição em Portugal, o festival já atingiu a sua maturidade. E não é só o festival, quem o frequenta também. Com exceção dos fiéis da primeira fila, o público do Optimus Primavera Sound é claramente mais maduro. Vieram pelo cartaz e não pelo ambiente, como se costuma dizer, refletindo-se nas atitudes durante os intervalos, mas especialmente durante os concertos. Com menos público estrangeiro que na edição passada, ainda assim é impossível não ouvir, em número, outros sotaques, especialmente o de nuestros hermanos.
O trio espanhol Guadalupe Plata teve honras de abertura. Para muitos o conforto da relva foi mais forte que o convite à dança. O rock blues dos três andaluzes não convenceu muitos, nem mesmo alguns espanhóis no público que preferiam brindar entre si que brindar à banda.
O mesmo já não se pode dizer de Wild Nothing, também no Palco Super Bock, que dividiu com o Palco Optimus os concertos do dia. A fórmula da banda norte-americana não falha, conjugação perfeita de sintetizadores conhecem indie rock/dream pop, bem ao estilo boy meets girl. Um ambiente simpático e carinhoso preenchia o espaço. Faltaram mais bolas de sabão, disseram eles.
O concerto de The Breedders surpreendeu pela positiva. Para além do álbum “Last Splash” tocaram mais três músicas de outros álbuns. Apesar da formação da banda não ser a original os fãs estavam apinhados na primeira fila e sabiam de cor as músicas dos anos 90.
Os Dead Can Dance mantiveram uma ambiência noturna mágica no festival com uma atuação igualmente boa tal como no coliseu de Lisboa.
O momento alto da noite ou do ano, arriscavam já alguns, deu-se com Nick Cave & The Bad Seeds. O australiano de 55 primaveres tem na voz e na atitude a mística que o rock exorciza. Dono e senhor de uma aura negra e sombria, Cave submete-nos às garras da sua voz. Somos feridos e não sabemos onde, uma dor que dá prazer apodera-se de nós. E ficamos rendidos àquela figura negra de cetim que nos parece suava ao olhar e no entanto corroí-nos a alma. A sexualidade dos seus gestos e movimentos faz despertar desejos reprimidos, fazendo com que todos queiramos mais do que a sua voz . Oportunidade disso teve a primeira fila, por várias vezes brindada com a sua presença. Há quem tenha aproveitado e há quem leve daquele momento apenas as fotos que tirou ou os vídeos que fez.
Já não são precisas mais provas, os Deerhunter já confirmaram o seu estatuto de banda de culto. Ainda não recuperado do concerto que os antecedeu, o público encaminhou-se e encheu o palco Super Bock, - os que talvez por força do êxtase ou por força maior de no dia seguinte ser dia de trabalho, não se encaminharam para a saída. Na bagagem trouxeram Monomania, muito aclamada pela crítica e não só – viu-se e ouviu-se. Em dia de aniversário do baixista, a banda, em especial Bradford Cox, apresentou-se no Porto bastante comunicativa e não faltaram os elogios ao festival.
O delfim da eletrónica britânica da corrente década, James Blake, arrancou da plateia os últimos suspiros da noite com as suas melodias frias e intimistas. Blake não veio sozinho, ao Porto trouxe o seu baterista, responsável pelos compassos dançantes e/ou introspetivos, e pelo guitarrista/teclista, que através dos seus instrumentos teceu emaranhados sonoros finos e pungentes. A noite já ia longa, mas ninguém queria chegar ao final daquele sonho musicado.
Comentários