O disco partiu de uma “espécie de brincadeira”, em que o fadista lançou um desafio ao poeta João Monge para escrever um disco inteiro para si, contou Hélder Moutinho à Lusa.
“Eu sabia que o [João] Monge gosta de fazer discos inteiros, e por brincadeira, disse-lhe que era um sonho meu que ele me escrevesse um disco inteiro, e ele aceitou”, disse.
O álbum é constituído por 15 temas, em que todas as letras são de João Monge, musicadas por diferentes compositores, entre eles, Carlos Barretto, João Gil, Vitorino, José Medeiros e uma do próprio Monge, que foram escolhidos foram surgindo entre sugestões do poeta e do fadista.
“O que pedi a cada um dos compositores foi que escrevessem, sem pensar no fado, fizessem uma melodia, para eu interpretar, esse sentimento fadista dar-lhe-ia a minha voz e os músicos, principalmente, o guitarra e o viola, [respetivamente Ricardo Parreira e Marco Oliveira], que somos nados no fado”.
A este duo junta-se Ciro Bertini no baixo acístico e no contrabaixo, nomeadamente nos temas “Canção em linha reta” e “Condão”.
“A ideia, no fundo, é dar seguimento à construção do próprio fado, que foi construído durante o século XIX e no passado com várias melodias de fados tradicionais e depois vários fados-canção”, explicou Hélder Moutinho que gravou o disco numa residência artística em Serpa.
“Este álbum pretende, por um lado, refletir essa herança, e por outro, fazê-lo evoluir, como que dizendo que o fado continua em embrião, e pode continuar a crescer, pode continuar a ser construído enquanto género musical”.
Esta situação, na opinião do fadista, é observada no disco, “com novos fados-canção, e a possibilidade em dois ou três temas de se considerarem fados tradicionais, pela sua estrutura”.
Hélder Moutinho citou a melodia de “o ’Fado triste’, de João Gil, que é em quintilhas, uma música em podemos cantar o ‘Estranha forma de vida’, o tema 'Manual do coração”, de José Luís Martins, que é o Fado Moutinho, e que são sextilhas, com a tónicas e os graves no tempo certo, e o ‘Às vezes’, um decassílabo, musicado por Ricardo Parreira, que é o Fado Tio, pois ele trata-me por tio, e anteriormente tinha composto para mim o Fado Manuel Francisco, numa homenagem ao meu pai”, contou.
O fadista referiu ainda o Fado Penedo, uma composição de Mário Laginha para “Amor sem lugar”.
Para chegar a esta etapa Hélder Moutinho, de 47 anos, considera essencial o percurso de aprendizagem que se faz nas casas de fado, “lidar com as pessoas mais velhas, com quem tem alguma coisa para nos dizer e ensinar, o ter de cantar todos os dias, nem sempre com os mesmos músicos, ter capacidade de improvisar porque está bem ou mal da voz”.
Por outro lado, defendeu que “um fadista não deve apenas gravar fados inéditos no primeiro ou no segundo disco, pois é importante correr o repertório antigo, revisitá-lo, para aprender com isso e como é uma herança nossa, é nosso dever trazê-lo ao de cima, e dá-lo a conhecer ao grande público, é um serviço que prestamos ao fado”.
Em vinte anos de carreira, “O manual do coração” é o quinto álbum de Hélder Moutinho, que se estreou discograficamente com “Sete fados e alguns cantos” (1999), seguindo-se “Luz de Lisboa” (2004), que lhe valeu um Prémio Amália para o Melhor Disco, em 2005, “Que fado é este que trago” (2008) e “1987” (2013).
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