Joel Pina, que acompanhou vários intérpretes portugueses e diferentes gerações do fado, como Maria Teresa de Noronha, Teresa Tarouca, Tony de Matos, Max e Tristão da Silva, completaria 101 anos na próxima quarta-feira.
O músico foi homenageado em setembro do ano passado, no Teatro S. Luiz, em Lisboa, num concerto que contou com as participações, entre outros, de Maria da Fé, Mariza, Gonçalo Salgueiro, Mísia, Teresa Siqueira e Lenita Gentil, e ao qual assistiu o primeiro-ministro, António Costa.
O percurso de cem anos do decano dos músicos de fado
Joel Pina era o nome artístico de João Manuel de Pina, que acompanhou Amália Rodrigues desde 1966 até à morte da fadista, e de quem guardava "viva recordação", como disse recordou à agência Lusa, alguns anos após a morte da cantora. No meio fadista, porém, são poucos os intérpretes que não foram acompanhados pela sua viola baixo, instrumento que, por seu intermédio, passou a fazer parte do acompanhamento tradicional, à guitarra portuguesa e à viola, da canção de Lisboa.
Numa das suas entrevistas à agência Lusa, o músico recordou como a equipa francesa do filme "Les Amants du Tage" ("Os Amantes do Tejo", 1955), de Henri Verneuil, fez questão de contar com a sua participação, acompanhando Amália, que fazia parte do elenco, e descreveu como muitos "brincavam" consigo, referindo-se ao instrumento - a viola baixo, de maior dimensão - como "o frigorífico".
O certo é que os fadistas passaram a contar com a viola baixo no seu acompanhamento habitual e, de preferência, com Joel Pina.
O músico fez parte do Conjunto de Guitarras de Raul Nery, homenageado pela Câmara de Lisboa, pela sua excelência musical e contributo para a música, em junho de 1999. Por iguais motivos, em 1992, o Ministério da Cultura entregou a Joel Pina a Medalha de Mérito Cultural. Em 2005 recebeu o Prémio Amália Rodrigues, distinguindo-o como "o Melhor Viola-Baixo", e destacando a sua contribuição para o desenvolvimento do instrumento.
A lista de fadistas que Pina acompanhou, vai do fado à música ligeira, com nomes como Tony de Matos, Max, Hermínia Silva, Frei Hermano da Câmara, Manuel de Almeida, Fernanda Maria, Fernando Farinha, Manuel Fernandes, Argentina Santos, Ada de Castro, Beatriz da Conceição, Fernando Maurício, Maria da Fé, Tristão da Silva, José Coelho, Margarida Bessa, Julieta Estrela, António Rocha, Ricardo Ribeiro, Lenita Gentil, Carlos Zel, Maria João Quadros, Nuno da Câmara Pereira, João Braga, Nuno Aguiar e Camané, entre muitos outros.
Fez parceria com músicos como Jorge Fernando, Pedro de Castro, Carlos Gonçalves (que morreu em março de 2019), Jaime Santos, José Fontes Rocha e José Nunes, entre outros.
Segundo a Enciclopédia da Música Portuguesa no Século XX, Joel Pina caraterizava-se "pela clareza da progressão do baixo executada com uma pulsação regular que permite ao fadista e ao guitarrista uma larga margem de liberdade expressiva (recorrendo muitas vezes ao tempo 'rubato' e à elaboração melódica), sem perder o controlo rítmico e o percurso harmónico de base".
Pina nasceu a 17 de fevereiro de 1920, em Rosaminhal, no concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, onde começou, como autodidata, a tocar bandolim, antes de se iniciar no solfejo.
Aos 12 anos, em 1932, começou o estudo da guitarra portuguesa e da viola.
Na sua terra natal fez parte de vários grupos de animação de bailes.
Em 1938 fixou-se em Lisboa, iniciando-se, como espectador, no circuito das casas de fado.
A profissionalização surgiu em 1949, quatro anos depois de se casar com Aurora Gonçalves Borges.
O músico Martinho d'Assunção (1914-1992) convidou-o a fazer parte do seu Quarteto Típico de Guitarras, que incluía ainda António Couto e Francisco Carvalhinho. Foi Martinho d'Assunção que o aconselhou a dedicar-se à viola-baixo.
Em 1959, entrou para o Conjunto de Guitarras de Raul Nery, com quem manteve amizade até à morte do guitarrista, em junho de 2012.
"Amizade forte e sólida, de quem se estima e sempre se foi camarada", disse Joel Pina, numa das suas entrevistas à Lusa.
O conjunto, nas suas diferentes fases, incluiu igualmente nomes como José Fontes Rocha, Joaquim do Vale e Júlio Gomes, e deixou de tocar em 1969.
Em 1961, Joel Pina entrou na Função Pública, para os quadros da Inspeção das Atividades Económicas, de onde se reformou.
Além de acompanhador, Joel Pina foi também autor de melodias, nomeadamente "Folha Caída", "Madrugada" e "Tempo Perdido".
Pina participou, em 2013, na apresentação, em Lisboa, do álbum de Margarida Bessa, "Saudade das Saudades", que incluiu uma entrevista ao músico na qual recordou o trabalho com Maria Teresa de Noronha (1918-1993) que acompanhou, nomeadamente nos seus programas na ex-Emissora Nacional, entre 1933 e 1962.
O Museu do Fado, em 2020, organizou uma homenagem ao músico, no Teatro Municipal S. Luiz, em Lisboa, por ocasião do seu centenário, e que contou com a participação de, entre outros, Ana Sofia Varela, Camané, Gonçalo Salgueiro, Joana Amendoeira, João Braga, Jorge Fernando, Katia Guerreiro, Lenita Gentil, Maria da Fé, Mísia, Pedro Moutinho e Rodrigo.
O músico recordava amiúde o "convívio e os petiscos" nas casas de fado onde tocou até à década de 1960, "convivendo e trocando ideias, sempre no sentido de uma melhoria", como contou à Lusa.
Joel Pina morreu hoje, em Cascais, onde se encontrava hospitalizado, a poucos dias de completar 101 anos.
O músico acompanhou vários intérpretes portugueses e diferentes gerações do fado, de Maria Teresa de Noronha, a Teresa Tarouca, Max e Tristão da Silva, sem esquecer Amália, com quem trabalhou durante mais de 30 anos, nem Camané, entre os fadistas de gerações mais recentes.
O músico foi homenageado em setembro do ano passado, no Teatro S. Luiz, em Lisboa, num concerto que contou com as participações, entre outros, de Maria da Fé, Mariza, Gonçalo Salgueiro, Mísia, Teresa Siqueira e Lenita Gentil.
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