O disco “Pérolas d’alma. Nuno Rodrigues canta Florbela Espanca” é editado pela CNM, e conta com a participação especial da soprano Ana Maria Pinto, no tema “Eu”, e, além dos nove sonetos da poetisa calipolense, inclui “No princípio era o fim”, um excerto do poema gnóstico “O trovão, mente perfeita”, que faz parte dos Códices da Bibloteca egípcia de Nag Hammadi, do século III.

“A problemática do ‘eu’, tão presente na obra poética de Florbela Espanca, foi o que me levou a incluir este poema gnóstico do século III", disse.

Dos nove sonetos gravados, só um tinha sido musicado anteriormente, “Amar!”, por Teresa Silva Carvalho.

“A poesia dela [Florbela Espanca] é tão atual e universal que não só me dá para ligar ao século III [Códices de Nag Hammadi], como para ter procurado a maneira de os musicar hoje”, disse.

Para Nuno Rodrigues, o resultado é “uma mistura entre canto e declamação”. E durante o processo, envolveu-se de tal a forma no universo da poetisa de Vila Viçosa, que quase ficou com “uma depressão, por Florbela Espanca ser uma depressiva”.

“Em nós, homens, há também um lado feminino, que talvez devamos explorar, e falo absolutamente à vontade pois tenho filhos de 46, 36, 16 e de 14 anos”, disse.

“Não tive problema nenhum em interpretar os poemas da Florbela, porque acho que senti a sensibilidade que ela tinha, não na exponencia com que a interpretou, mas acho que consegui vestir a pele da melhor maneira que sabia, ou que sentia”.

Referindo-se às soluções musicais encontradas, que sugerem cenários -- questão à qual não é alheio o trabalho de Jorge Quintela, como arranjador, e que assina, com Nuno Rodrigues, a produção do álbum --, afirmou: "Há um certo intimismo, um cuidado no tom que se escolhe, indo ao encontro da poetisa que era até íntima; há um tom confessional na sua poesia que deve ser respeitado”, argumentou.

Quanto ao álbum, “é quase como uma banda sonora". "As músicas são diferentes, mas têm sempre qualquer coisa em comum”.

"A métrica do soneto não é fácil de musicar", por isso fez várias aproximações melódicas, "tendo em conta a interioridade da poesia [de Florbela], até chegar a uma solução que se acha decisiva”.

Um dos sonetos que apresentou ao compositor maiores desafios, intitula-se “Os versos que fiz”, “que é de uma ironia, uma coisa que não é muito comum nela, ser mazinha, no bom sentido do termo, ser jocosa, ser irónica, ser satírica, em que ela acaba por dizer aquilo que nunca escreveu”.

O músico e intérprete realçou que “há também a perceção de quem ouve” e o resultado deste trabalho “passa também pela sensibilidade de quem escuta”.

Nuno Rodrigues conhecia a poesia de Florbela, mas começou-se “a apaixonar, há uns tempos, quando leu a obra poética completa” da poetisa. Pesquisou e chegou à conclusão de que “não havia assim tanta poesia cantada de Florbela Espanca”.

“Há algumas coisas gravadas, muito boas, nomeadamente os Trovante, a Teresa Silva Carvalho, o 'Amar!', e mais dois intérpretes que gravaram dois fados”, entre os quais “Caravelas”, por Mariza, musicado por Tiago Machado.

O disco inclui sonetos de diferentes obras de Florbela Espanca (1894-1930), cujo primeiro livro de sonetos, “O livro de mágoas”, do qual gravou “Lágrimas ocultas”, esgotou rapidamente.

No entanto, só depois da sua morte, é que a poetisa conquistou uma maior visibilidade junto do grande público, sobretudo com a publicação de "A charneca em Flor", organizada pelo professor Guido Batelli, e do qual Nuno Rodrigues escolheu “Se tu viesses ver-me”, “Amar!” e “Eu”.

“Ao interpretar ‘Lágrimas ocultas’, e não só, senti que ela viveu várias sensibilidades, e que era difícil de a entender, devido a tal complexidade do clima que ela tinha. A Florbela era tão afirmativa e vulnerável, ao mesmo tempo. Apesar de não ter tido a arte e o engenho de toda esta complexidade, foi um trabalho que me apaixonou profundamente”, confessou.

Outras obras de onde retirou sonetos são “O livro d’ele”, “Livro de mágoas”, “Soror Saudade” e “Reliquae”.

Nuno Rodrigues, 67 anos, gravou o primeiro disco em 1969, “no tempo do ‘Musica Novarum'". De 1974 até 1984, fez sete álbuns para a Banda do Casaco. Ao longo do tempo escreveu centenas de temas para diferentes intérpretes. Em 2000, concebeu dois álbuns, “Canções de embalar”, para as filhas.

Referindo-se a “Pérolas d’alma” afirmou: “Andei dentro de mim, até quase à exaustão. Parece uma pequena viagem, mas percorri milénios e mergulhei sem retorno nesta poesia”.