“O que eu sugiro é que os atletas com uma mais apurada sensibilidade do seu corpo em relação a um objeto obterão desempenhos e uma coordenação motora muito superiores. Quando muitos deles têm os olhos mais colados à bola para poderem controlá-la, Messi usa o corpo para dominá-la e procura soluções com a visão. É talvez o atleta com maior sensibilidade propriocetiva”, observou à agência Lusa o escritor e investigador científico.

Publicado originalmente pela Edições Vieira da Silva, em 2015, o livro “O futebolista que joga no futuro: Como a natureza humana pode explicar o futebol” centra-se na noção de proprioceção, que nem sempre se esgotará na distinta aptidão para manipular uma bola.

“Acredito que haja atletas com essa sensibilidade muito elevada, mas, depois, falta-lhes profissionalismo, ética de trabalho, competitividade e disciplina. São tudo coisas que, por exemplo, Cristiano Ronaldo, entre outros, possui e que lhe permitiram contornar aspetos nos quais ele não era tão bom. A proprioceção não é, por si só, suficiente para se ser o melhor do mundo, mas, quando alguém une essa superior sensibilidade a uma boa ética de trabalho, arrisca-se a ser o melhor de sempre, tal como eu julgo que Messi é”, referiu.

Além de atualizar as respetivas estatísticas, Ricardo Serrado percorre “diversas áreas do saber” para enquadrar o génio do avançado dos norte-americanos do Inter Miami e lança duas ideias na segunda edição da obra, que foi apresentada no domingo, na Feira do Livro de Lisboa, com a presença do ex-internacional português António Simões.

“Desde logo, o desporto contemporâneo - e, particularmente, o futebol -, é uma extensão das características biológicas inatas do ser humano. Há o ‘homo sapiens’, que é sábio, o ‘homo faber’, que concebe instrumentos, e o ‘homo ludens’, que é lúdico. Sugiro o ‘homo athleticus’, isto é, o homem que tem o exercício físico inerente à sua condição humana e que o mostra em função das necessidades específicas ditadas por cada época. O ‘homo athleticus’ nasceu para correr grandes distâncias e está programado geneticamente para caçar pela corrida de resistência. Como já não precisamos de caçar, essa necessidade revela-se em atividades desportivas como as que vemos na contemporaneidade”, notou.

A outra ideia defende que um atleta “joga o que está, em grande medida, programado no seu corpo”, particularizando o exemplo do campeão mundial de seleções pela Argentina, que brilhou pelos espanhóis do FC Barcelona, de 2004 a 2021, seguindo-se um período nos franceses do Paris Saint-Germain, antes da chegada aos Estados Unidos, em 2023.

“É no design e na engenharia biológica deste corpo que se funda o seu talento. Chego a sugerir que, se Messi tivesse mais um, dois ou três centímetros, provavelmente não seria o futebolista que é hoje. Poderia ser na mesma um grande atleta. Não estou a dizer que fosse melhor ou pior. Agora, muitas das coisas que ele faz atualmente acontecem por ter um corpo com determinadas programações biológicas, fisiológicas e neuronais”, indicou.

Doutorado em Filosofia da Mente pela Universidade do Porto, Ricardo Serrado justifica a elaboração do livro com “razões emocionais e estéticas” em torno do avançado, que vai completar 37 anos a 24 de junho e que é “o único futebolista" com o qual se emociona.

“Esse sentimento de transcendência que eu sinto quando estou a ver Messi a jogar criou em mim um impulso para escrever algo sobre um atleta que me fascina e que representa o futebol em estado puro na perspetiva da estética, da arte e da beleza do jogo”, ilustrou.