Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown tiveram como banda de apoio os Pepeu Baby (os filhos dos luminares da MPB Pepeu Gomes e Baby Consuelo) nas guitarras e nos “backings”, Dadi Carvalho (baixo e teclados), Pretinho da Serrinha (cavaquinho e viola) e Marcelo Costa na bateria.
PRESENTE E PASSADO
O grupo nunca tinha tocado ao vivo e, para tal, começou a preparar-se desde o início no ano. Em primeiro lugar, recrutou o diretor de arte Batman Zavareze, responsável pela projeção de imagens na festa de encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, para a concepção visual.
Ao mesmo tempo, embrenharam-se num maralhal de 56 músicas que os três já compuseram para conseguirem escolher apenas algumas para o concerto. Bem menos do que se esperaria ficou de fora: com mais de duas horas de concerto, deu tempo para recordaram 24 temas e ainda repetirem duas.
Uma delas foi “Tribalismo”, que com seu ritmo imparável e a sua declaração de intenções, presente no álbum de 2002, serviu para abrir e fechar o concerto.
Presente e passado, aliás, fazem um diálogo curioso no percurso da banda. O álbum homónimo lançado em 2017, por exemplo, segue de perto a cartilha do primeiro: delicadas harmonizações vocais, sessões de guitarra acústica e percussão e um resultado geral que lembra um pouco de tudo da longa história da música brasileira. A sofisticação musical, ao mesmo tempo de apelo “pop”, conjuga-se com as refinadas rimas e jogos de palavras da poesia das letras.
VEJA AS FOTOS DO CONCERTO (Créditos: Rodrigo Gatinho):
Talvez venha desta herança, mais precisamente da Tropicália (movimento de grande criatividade e inovação ocorrido no final dos anos 1960 e liderado por nomes como Caetano Veloso e Gilberto Gil) tenha a sua influência no visual: entre o carnavelesco e folclórico, os Tribalistas apresentam-se de vermelho e adornados com adereços diversos.
Depois da abertura empolgante o grupo continua em ritmo acelerado com “Carnavalia”, que fala de escolas de samba e “Um Só”, onde o último trabalho marca presença pela primeira vez.
PÁSSAROS E CRIANÇAS
É a partir de “Vilarejo”, música gravada por Marisa Monte em 2006, que o grupo tira o pé do acelerador e começa a entrar pelo registo das baladas harmoniosas pelas quais são conhecidos. Para estas alturas, as imagens escolhidas para ilustrar as canções (Zavazere foi buscar algumas das imagens a clássicos do cinema brasileiro como “Limite” ou numa série de curtas-metragens de Humberto Mauro) acendem o sabor da nostalgia e são recorrentes: fotos descoloridas, retratos “tipo passe” de tempos idos, paisagens rurais de um passado que já não existe.
As imagens projetadas unem-se com os pássaros, a natureza; estão em sintonia com letras como as de “Anjo da Guarda”, que também traz cadeiras de baloiço e crianças que iriam regressar mais tarde em “Velha Infância”, o primeiro “hit” cantando pelos fãs, juntamente com a imagens de um parque de diversões.
Árvores, crianças e barcos também ilustram “Fora da Memória”, antes de Marisa Monte contar uma pequena história de como o grupo o surgiu para apresentar “Água também É Mar”, uma balada com "batucada" e que é uma das primeiras composições do trio – ainda nos anos 1990.
O momento mais político do novo trabalho, curiosamente, não versa sobre os problemas locais, mas sobre a questão dos refugiados. Arnaldo Antunes recita poemas de Castro Alves e Sousândrade na bela “Diáspora”, que referencia em tons bíblicos e apelos melancólicos a desesperada situação dos emigrantes do Mediterrâneo.
ARTE ABSTRATA
Em “Ânima” o visual ganha um aspeto mais abstrato e anuncia o tom mais intimista de algumas canções de uma segunda parte não anunciada como tal; a concepção continua com a romântica “Carnalismo”, o hit “Aliança” e uma incursão pelo rock com “Busy Man (Sem Você)”.
Neste sentido, um dos momentos mais belos fica por conta de “Lá de Longe”, também do primeiro álbum, que une os efeitos da iluminação verde e púrpura com um exemplar da riqueza poética do grupo em versos como “Lá de longe/De onde toda a beleza do mundo se esconde/Mande para ontem/Uma voz que se expanda e suspenda esse instante”.
O visual vai mudando e, cada vez mais, o público acompanha as imagens das câmaras em frente ao palco que filmam os músicos em ação. Nestas alturas, a banda toca um dos melhores momentos do trabalho de 2017, a enérgica"Lutar e Vencer".
A CELEBRAÇÃO DA DEMOCRACIA
O que Os Tribalistas se propõem fazer é um convite à celebração. Quis a História que eles se apresentassem em Portugal num momento em que o Brasil pode cair nas garras do populismo reacionário – e lá pelo meio do concerto ouviram-se gritos de “Ele Não!”.
Muito antes disto, mais precisamente a meio do ano passado, quando lançaram o álbum e a extrema-direita não passava de uma nuvem carregada no horizonte, havia indicadores para o pessimismo.
Mas essa não é a onda do grupo. No dia anterior, Carlinhos Brown tinha resumido o seu espírito positivo na conferência de imprensa. “Nós somos muito esperançosos”, dizia. E, ao frisar a diferença do mundo entre os 15 anos que separam os dois registos, salientava que, uma vez vivendo no planeta Terra, nada poderia ser duradouro – nem a felicidade nem a tristeza. E é isso.
Já Arnaldo Antunes, o mais militante fora do grupo, não se manifestou – quem o fez foi Marisa Monte praticamente nos últimos segundos do espetáculo para dar "um viva" à democracia, à arte, à cultura, à diferença, à diversidade. Um recado mais do que óbvio sobre o lado em que estão.
Quando isso acontece o público, a convite da banda, já se tinha levantado para dançar em músicas como “Trabalivre”, já se tinha abraçado, beijado e iluminado a Altice Arena com os telemóveis e entoado em uníssono músicas como “Amor I Love You”, “Já Sei Namorar” (onde os músicos atiram flores para o público) e “Velha Infância” (que teve repetição).
Mesmo com o seu país a viver um momento terrível, a arte dos Tribalistas propõe essencialmente isso – ser positivo – afinal não há mal que dure para sempre.
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