A peça, com estreia marcada para quinta-feira, é a primeira encenação de Pedro Penim para o D.Maria II, enquanto diretor artístico daquele teatro, cargo que assumiu no final do ano passado.
“Casa Portuguesa” conta a história “ficcional” de “um ex-combatente na guerra pela independência de Moçambique [interpretado por João Lagarto], que de alguma forma centraliza muita da informação do espetáculo”.
“É a história dele, já no fim da vida, a convocar vários fantasmas, não só figuras do seu passado e do seu presente, mas fantasmas também no sentido de ideias, de estruturas de poder, que vão aparecendo nesta ficção”, contou Pedro Penim, em declarações à Lusa.
A “convocação de fantasmas” da personagem de João Lagarto “é uma forma metafórica de olhar para a História de Portugal dos últimos 50 anos, fazendo essa relação com as estruturas de poder, neste caso a figura paternal, a estrutura da família e o Fado também”.
O texto, da autoria de Pedro Penim, foi criado através da conjugação de três elementos: um diário de guerra, de Joaquim Penim, o fado “Casa Portuguesa” e o ensaio filosófico “Filosofia della casa”, de Emanuele Coccia.
Embora se tenha baseado em situações reais, que leu no diário que o pai escreveu enquanto esteve na guerra em Moçambique e em testemunhos de ex-combatentes da guerra colonial, Pedro Penim reforça tratar-se de “uma peça ficcional”.
“A peça inspira-se nessa experiência, mas não é a história do meu pai, a história é completamente ficcionada. Esta personagem é uma súmula de histórias que fui lendo de alguns ex-combatentes da guerra colonial”, explicou.
Já a canção que dá nome ao espetáculo, “uma das mais populares do Fado português”, “está muito relacionada com um certo ideal de vida portuguesa do Estado Novo, que servia como uma luva a algumas das ideias desse período da Ditadura”.
No ensaio filosófico, o terceiro elemento na origem da peça, Emanuele Coccia “tenta repensar o espaço da casa, sobretudo o espaço pós-pandémico, como a casa se foi alterando”.
“São tudo movimentos que fazem parte de uma mesma história, mas que anda sempre à volta dessa ideia de olhar para estruturas - a casa, o Fado, a família – e perceber como elas se foram alterando ao longo da história da nossa Democracia, até hoje”, disse.
“Casa Portuguesa” acaba por ser “um segundo momento da mesma reflexão sobre a família”, que teve um primeiro em “Pais & Filhos”, peça que Pedro Penim estreou no ano passado no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa.
“No próximo ano regressarei ao mesmo tema desta, agora ficou claro na minha cabeça que será uma trilogia dedicada a este tema do reenquadramento, da redefinição da família”, revelou.
A peça que agora se estreia “pega nalgumas pontas soltas que ficaram de ‘Pais & Filhos’, mas de alguma forma centraliza um tema que não estava no ‘Pais & Filhos’, o tema da masculinidade”.
“‘Casa Portuguesa’ anda muito à volta dessa ideia de redefinição da masculinidade, como é que ela se foi alterando”, referiu.
Além de João Lagarto, a peça tem mais quatro intérpretes: Carla Maciel, Sandro Feliciano e as Fado Bicha (Lila Tiago e João Caçador).
Lila Tiago e João Caçador foram as primeiras artistas que Pedro Penim convidou para o projeto: “O projeto Fado Bicha é também de abanão de uma estrutura que é o Fado. Elas aproveitam aquilo que o Fado tem de bom, toda a sua importância cultural, a grande inventividade por trás de compor um Fado, mas depois acabam por imputar nessas músicas um conteúdo muito próximo de uma ‘queerização’ do Fado”.
“Elas trazem essa dimensão ‘queer’ e pós-colonial, que também tem cabimento nesta história que se está a contar”, explicou.
Para as outras três personagens, Pedro Penim tinha “vontade de trabalhar com atores com os quais nunca tivesse trabalhado em teatro”.
Com João Lagarto, “um dos melhores atores da sua geração”, tinha trabalhado numa telenovela da RTP, na qual eram pai e filho. O contacto com Carla Maciel aconteceu em “Perfeitos desconhecidos”, adaptação ao teatro que Pedro Penim fez de um filme de Paolo Genovese. A atriz fez “uma substituição no elenco” e o encenador ficou “muito impressionado com o trabalho e capacidade técnica” da atriz que, em “Casa Portuguesa”, “vai saltitando entre várias mulheres, que parecem a mesma pessoa, mas no fundo não são”.
Para o papel que faltava atribuir, Pedro Penim precisava de rapaz muito jovem e decidiu abrir uma audição, na qual apareceu Sandro Feliciano, “que tem 16 anos e está na Escola de Teatro de Cascais”.
“Vai estrear-se aqui, é um protagonista, há um peso grande também sobre ele, de quem as pessoas ainda vão ouvir falar muito”, disse.
Pedro Penim admite que abrir uma temporada que “já é muito” da sua “lavra, apesar de ainda ter algumas coisas programadas pelo [anterior diretor artístico] Tiago Rodrigues", com um espetáculo criado e encenado por si, “representa um peso”, mas tenta “relativizar e tornar a coisa mais leve”.
“Tenho muita confiança nesta proposta e espero que corra bem”, afirmou.
Os figurinos da peça ficaram a cargo da Behén, de Joana Duarte, que “tem um trabalho muito apoiado na tradição – rendas, toalhas, colchas, apliques -, e faz uma recontextualização desses materiais, tem um trabalho muito sensorial, muito visual, que para aqui servia que nem uma luva”.
“Casa Portuguesa” estará em cena no Teatro D.Maria II até 16 de outubro. Entre 12 e 21 de janeiro o espetáculo estará no Teatro Nacional São João, no Porto.
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