Pirotecnia, serpentinas, confetti, fogo de artifício e até um esqueleto insuflável gigante. Num evento que além de festival de música também é um parque de diversões, os Muse regressaram à Cidade do Rock com um arsenal visual à altura do sonoro. Acessório que não estava no programa, a chuva também fez parte da festa mas não a estragou: Matt Bellamy até parece ter tido (ainda) mais ânimo ao cantar encharcado, já o concerto ia longo, enquanto dava a mão aos fãs (a do braço que não estava em modo ciborgue) das primeiras filas.
Admita-se que o trio britânico já tinha o público na mão logo à partida, o que não quer dizer que tenha esmorecido na entrega de um rock tão musculado como galvanizador. De "Hysteria", o primeiro momento de euforia generalizada, ao encore com o obrigatório e desvairado "Knights of Cydonia", passando por petardos como "Stockholm Syndrome", "Uprising", "Plug in Baby" ou uma "Compliance" de tempero eurodance, a noite foi um regresso ao Rock in Rio Lisboa que terá voltado a convencer devotos e talvez arrecadado novos fiéis à legião de admiradores que o grupo tem por cá.
"Tenho a certeza de que vamos voltar a ver-nos noutra altura, em breve", assinalou o vocalista, no final. E com o novo álbum, "Will of the People", quase aí (sai a 26 de agosto), não é difícil acreditar na promessa.
Melancolia pré-euforia
Antes do frenesim despertado pela banda mais aguardada da noite, os The National forraram o recinto do Palco Mundo de melancolia - sensação reforçada pelas imagens a preto e branco dos ecrãs gigantes.
Com a pose circunspeta habitual, Matt Berninger apresentou-se perante uma multidão da qual muitos aguardariam já o grupo de Matt Bellamy, mas que ainda assim acompanhou de forma atenta o regresso dos norte-americanos a Portugal, país no qual já atuaram quase duas dezenas de vezes.
"O nosso último concerto antes da pandemia foi em Lisboa, por isso é muito especial voltar", salientou o vocalista já nos últimos minutos. As despedidas acabaram por servir alguns dos temas mais bem acolhidos do concerto, na sequência que juntou os clássicos "Graceless", "Fake Empire", "Mr. November" e "Terrible Love". Foi a primeira atuação dos The National depois do confinamento por cá, mas dificilmente terá sido a última.
Da britpop ao rock
"Tonight I'm a rock and roll star", entoou Liam Gallagher num dos temas iniciais da sua primeira atuação a solo em Portugal. Nada menos do que "Rock 'n' Roll Star", um dos hinos dos Oasis que levou ao Palco Mundo. E de certa forma, nada mudou desde que o britânico ajudou a inscrever a britpop entre os géneros-chave dos anos 1990: o ex-vocalista da banda apresentou-se de franja, de óculos redondos, a cantar geralmente com as mãos atrás das costas, fiel à imagem que perpetuou nas atuações e videoclips desses dias.
"Temos fãs dos Oasis no público? Temos fãs antigos? Temos fãs novos?", questionou mais de uma vez, numa tentativa de cumplicidade feita com alguma provocação. A resposta dos admiradores mais antigos foi mais audível, e a maioria terá gostado de ouvir recordações como "Wonderwall" ou "Cigarettes & Alcohol", estrategicamente guardadas para o final da atuação e recebidas com o entusiasmo expectável.
Antes, o britânico levou a palco temas do seu percurso em nome próprio, da qual já resultaram três álbuns - o terceiro, "C'mon You Know", editado este ano.
Além da música, o futebol é a grande paixão do mais novo dos irmãos Gallagher e também não ficou de fora. O cantautor disse gostar de Bernardo Silva e de Rúben Dias - "agora, ainda mais", acrescentou sobre este último, antes de dedicar "Better Days" ao Manchester City, o seu clube de sempre.
Única banda portuguesa a atuar no Palco Mundo no dia de abertura do festival, os Xutos & Pontapés confirmaram que, por muito que voltem à Cidade do Rock (estiveram presentes em todas as edições do evento lisboeta), terão sempre um público intergeracional, conhecedor e dedicado à sua espera - cachecóis, lenços e t-shirts incluídos.
De "Fim de Semana" a "A Minha Casinha", o concerto foi o habitual exemplo de comunhão do grupo de Tim, João Cabeleira, Kalú e Gui, que recordou Zé Pedro logo no arranque, através da t-shirt do vocalista, e deixou milhares a cantar a uma só voz - particularmente na reta final, em temas como "Homem do Leme", "Circo de Feras", "Ai Se Ele Cai" e "Para Ti Maria".
Uma rua entre o fado e as músicas do mundo
No palco Rock Your Street, Sara Correia apresentou uma das primeiras atuações do dia e levou fado ao Parque da Bela Vista. O que há uns anos podia ser uma combinação inusitada, foi acolhida de braços abertos por um público atento e recetivo às canções dos dois álbuns da jovem fadista. Defendido ao lado de uma banda de cinco elementos, incluindo um teclista e um baterista, o alinhamento alternou entre temas que deram espaço à voz da artista e acessos instrumentais como o de um dos últimos momentos, episódio de descompressão no qual a cantora aproveitou para apresentar os músicos e deixar cada um brilhar a solo.
"Não é fadista quem quer, mas sim quem nasceu fadista", cantou a lisboeta que se permitiu não se limitar à guitarra portuguesa. "O fado não está nos instrumentos. Qualquer coisa que eu cante, vai sempre saber a fado", assumiria pouco depois, em entrevista ao SAPO Mag. "Para mim faz todo o sentido ter estes músicos em cima do palco", assinalou ainda. Outra prova desses horizontes pouco canónicos foi a interpretação de "Quero É Viver", clássico de António Variações e um dos temas mais celebrados de uma atuação que terá garantido novos adeptos do fado.
Pouco depois, Bombino também ajudou a fazer da Rock Your Street um dos espaços mais concorridos do recinto ao final da tarde. O cantautor e guitarrista do Níger está longe de ser uma novidade em palcos portugueses mas terá reforçado o culto numa atuação frenética e calorosa, cortesia da máquina de ritmo que implementou ao lado de três músicos.
O "Hendrix do deserto", como é conhecido, partiu da música tuaregue rumo ao rock ou ao blues, às vezes com balanço dub e reggae pelo caminho. "Tocar em Portugal é como tocar em casa", confessou um dos seus guitarristas, lembrando que o seu primeiro grande concerto fora de portas, há anos, foi em Lisboa. O público, entre conhecedores e curiosos rendidos, foi-se acumulando e ajudou a banda a sentir-se em casa. E nem o facto de Bombino cantar no dialeto tuaregue de tamaxeque beliscou o entendimento, expresso em modo bamboleante e/ou visceral.
O Rock in Rio Lisboa decorre ainda nos dias 19, 25 e 26 de junho, no Parque da Bela Vista. Black Eyed Peas, Ellie Goulding e Ivete Sangalo atuam no Palco Mundo na segunda noite, este domingo.
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