“Uma narrativa engenhosamente estruturada, que se ramifica e forma uma copa, como as árvores no centro da história, cuja maravilha e conectividade ecoam as dos humanos que vivem entre elas”, descreveu o júri do Pulitzer, na altura da atribuição do prémio, que veio confirmar a crescente proeminência dos romances focados em questões ambientais.
Finalista também dos prémios Booker e PEN/Faulkner, “Sobre o Céu” (“The Overstory”), editado em Portugal pela Presença, com tradução de Nuno Quintas, explora as conexões entre humanos e natureza, através da história de nove personagens que se juntam para proteger uma floresta antiga.
São pessoas que têm uma relação pessoal com árvores e que, ao longo da história, colocam as suas vidas em risco, nos confrontos cada vez mais agressivos contra interesses poderosos, ultrapassando o limite da violência retaliatória, na esperança de salvar as árvores e defender o mundo vivo.
O livro começa com as histórias de cada personagem, apresentadas separadamente no início do romance, mas que acabam por se entrelaçar de forma “inesperada e brutal”, descreve a editora.
Um artista herda cem anos de retratos fotográficos, todos do mesmo castanheiro, a grande e condenada árvore americana. Uma universitária eletrocuta-se, morre e regressa à vida pelas mãos de criaturas de luz. Um piloto da Força Aérea é abatido em pleno voo, na Guerra do Vietname, e salvo ao cair numa figueira. Uma cientista com dificuldades de fala e audição descobre que as árvores comunicam entre si.
A personagem da cientista, contou Richard Powers, numa entrevista ao The Washington Post, é um composto de várias pessoas que o inspiraram: “Gostaria de pensar que ela é uma espécie de representante ou emblema de muitas pessoas que, quando se diz a frase ‘o mundo real’, não pensam imediatamente no mundo falso que nós, humanos, criámos, mas que dedicam as suas vidas a compreender este lugar que precisamos de tornar a nossa casa e que precisamos de compreender, se quisermos ficar aqui por muito mais tempo”.
Estas quatro personagens e outros cinco desconhecidos serão todos, de algum modo, convocados pelas árvores e juntar-se-ão para uma derradeira e violenta batalha para salvar os últimos hectares de floresta virgem no continente americano.
A história desenrola-se ao longo de décadas e as histórias das árvores e das pessoas misturam-se, quando estas se tornam ativistas na luta contra a destruição das florestas e a exploração excessiva dos recursos naturais.
O romance termina numa batalha judicial épica, que tem consequências profundas para todas as personagens.
Por ocasião da atribuição do prémio, Richard Powers disse que, sendo este um dos principais reconhecimentos literários norte-americanos, o facto de ter sido “atribuído a um livro que pretende, acima de tudo, levar a sério os não-humanos e a relação com os que estão fora do mundo humano, é encorajador”.
Para o escritor, o estado atual do ambiente é “um momento desesperado”.
“Se este prémio tem algum significado para mim, não é apenas pelo livro, mas por um impulso aos escritores literários que querem alargar o âmbito de preocupação do pessoal e do doméstico para o ambiental e para tudo o que está para além do mundo que criámos”, disse, na mesma entrevista ao The Washington Post.
Em Portugal, estão publicados pela Casa das Letras “O Eco da Memória”, vencedor do National Book Award e finalista do Pulitzer, romance sobre neurologia e distúrbios cerebrais, e “Generosidade”, uma ficção cuja história tem na base a investigação genética.
No ano passado, a Presença editou “Assombro” (“Bewilderment”), último romance de Richard Powers, originalmente publicado dois anos após “Sobre o céu”, que tem como personagens um pai, cientista que descobriu como procurar vida noutros planetas, e o seu filho de 9 anos, uma criança peculiar. Na base da história está também a ameaça contra o planeta e o desafio ao antropocentrismo.
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