“Sou um crime. Nascer e crescer no apartheid” é o título do livro que a editora Tinta-da-China publica agora em Portugal, e que foi lançado em 2016 nos Estados Unidos, tendo-se tornado imediatamente um 'best-seller'.
É do crime de nascer mulato durante o apartheid na África do Sul que trata este livro, uma história de vida que Trevor Noah conta na primeira pessoa, em 18 pequenos ensaios simultaneamente hilariantes e intimistas.
Filho de pai branco e mãe negra, Trevor foi escondido durante os primeiros anos da sua vida para que as autoridades não soubessem da sua existência, pois poderiam retirá-lo à família e condenar os pais a uma pena de cinco anos de prisão.
O livro abre precisamente com a publicação da “lei da imoralidade de 1927”, que determina a “proibição de relações carnais ilícitas entre europeus e nativos e outros atos relacionados” e estipula as penas previstas para esses casos.
“Sou um crime” relata, então, o percurso de Trevor Noah num mundo onde nem sequer teria direito a existir, e onde se sentia deslocado tanto nas zonas dos brancos, como nos subúrbios dos negros.
Um rapaz que aos sete anos teve de saltar de um carro em andamento, que jantou muitas vezes caldo de lagartas, que cresceu num regime opressor em tempos perigosos, e que chegou à idade adulta atravessando os tumultuosos primeiros anos de liberdade do seu país.
Na primeira parte do livro, Trevor Noah considera que “a genialidade do apartheid foi convencer uma população que constituía a esmagadora maioria do país a virar-se contra si mesma”.
“‘Apartódio’ seria um termo mais adequado. Apartam-se as pessoas em grupos e instiga-se o ódio de uns contra os outros, com o objetivo de controlar a todos”, acrescenta.
Mas nem só de relatos “tristes” e “perturbadores” da “angustiante” vida na África do Sul, ainda que escritos de forma divertida, é feito este livro, “é mais do que isso – é uma carta de amor à excecional mãe do autor”, como escreveu o The New York Times.
Trevor Noah foi desde sempre impulsionado pela sua mãe — “rebelde, teimosa, exigente e a grande homenageada do livro” — e, através de um “prodigioso sentido de humor”, conseguiu quebrar o ciclo de pobreza e discriminação a que estava condenado”, e chegar ao lugar que ocupa hoje, descreve a editora.
Aliás, na dedicatória do livro lê-se: “Para a minha mãe, a minha primeira admiradora. Obrigado por fazeres de mim um homem”.
A mãe de Trevor, a mulher que sempre mostrou determinação em tirar o filho daquele meio de pobreza e violência, é a mesma pessoa que foi vítima de violência doméstica e que chegou a ser baleada, correndo risco de vida.
Um dos textos do livro, que faz uma associação bem-humorada entre carros e momentos tristes da vida do autor, coloca a mãe no centro da questão.
“Ainda hoje odeio carros em segunda mão. Os carros em segunda mão fizeram-me ficar de castigo por chegar tarde à escola. Os carros em segunda mão deixaram-nos a pedir boleia na berma da autoestrada. Foi também por causa de um carro em segunda mão que a minha mãe se casou. Se não fosse pelo Volkswagen que não pegava, nunca teríamos procurado o mecânico que se tornou o marido que se tornou o padrasto que se tornou o homem que nos torturou durante anos e enfiou uma bala na nuca da minha mãe. Para mim, só carros novos com garantia”.
Publicado em vários países, este livro, o primeiro do autor, vai ser adaptado ao cinema, com a atriz Lupita Nyong’o (atriz de origem queniana vencedora do Óscar de melhor atriz secundária pelo seu papel em “12 anos escravo”, de 2013) no papel de mãe do protagonista.
Trevor Noah nasceu em Joanesburgo, em 1984. É humorista, guionista e apresentador de televisão. Começou por apresentar programas e ‘talk shows’ na África do Sul, até se distinguir na ‘stand-up comedy’ e alcançar sucesso internacional.
Atualmente, é apresentador do telejornal satírico The Daily Show, um dos mais icónicos programas de humor norte-americanos, onde sucedeu a Jon Stewart - que o escolheu pessoalmente -, e já gravou vários especiais de ‘stand-up’, como “Afraid of the dark”, o mais recente, disponível na plataforma Netflix.
Trevor Noah vive nos Estados Unidos desde 2011 e foi considerado pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.
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