"Há sempre caminho a percorrer na discussão sobre sexo. Sexo e etnia, sexo e género, sexo e orientação sexual", assinala Amrit Kaur, que encarna uma das protagonistas de "The Sex Lives of College Girls", série criada por Mindy Kaling ("The Mindy Project", "Eu Nunca") e Justin Noble ("Brooklyn Nine-Nine", "Idiotsitter") e recém-chegada ao catálogo português da HBO Max (depois de se ter estreado nos EUA em novembro do ano passado).

Tal como "O Sexo e a Cidade" ou "Girls", às quais tem sido comparada, a comédia dramática também se centra em quatro amigas - embora inicialmente sejam quatro estudantes universitárias que não se conhecem e têm de partilhar o quarto. Mas com a diferença de apostar numa representatividade que tinha ficado de fora dessas antecessoras, ou que tinha uma presença bastante tímida.

The Sex Lives of College Girls
The Sex Lives of College Girls

"É muito bom ver quatro raparigas de diferentes etnias, origens, classes, orientações sexuais, todas essas coisas, no mesmo espaço", sublinha Alyah Chanelle Scott ao SAPO Mag numa entrevista virtual, por Zoom. "Isso é a humanidade, é a vida. Raramente estamos perto de alguém que seja exatamente como nós em vários aspetos. Temos experiências diferentes, mas emoções semelhantes", aponta a atriz afro-americana que tem aqui o seu primeiro papel em televisão, na pele de Whitney, jovem promessa desportiva com uma vida amorosa conturbada.

"Acho que é ótimo que seja uma história sobre quatro mulheres que não é contada a partir de um olhar masculino. Tem o ponto de vista delas. Também gostei que sejam pessoas reais e não apenas seres sexuais. E para as pessoas reais, o sexo nem sempre é sexy, pode ser complicado, estranho e constrangedor", acrescenta.

The Sex Lives of College Girls
The Sex Lives of College Girls

"Somos selvagens na cama"

"Somos selvagens na cama. Não interessa qual é o nosso aspeto, que altura temos, de que cor somos", diz Amrit Kaur. A canadiana de ascendência indiana é tão direta e sem meias palavras como a sua personagem, Bela, parcialmente inspirada nas experiências da própria Mindy Kalling - e que tenta iniciar uma nova fase, que inclui uma carreira na comédia, longe de uma família conservadora.

"Adoro que seja uma mulher tão sexual. E que possamos ver uma mulher de ascendência indiana tão sexual, nunca o vimos. Ou melhor, já vimos, mas nunca a este nível selvagem, da forma como ela fala de pénis e vaginas", assegura. "Vimos mulheres indianas a serem submissas, tal como as asiáticas. Esta mulher é uma personagem revolucionária e espero que possa mudar a narrativa dos sul-asiáticos nos media: temos sexo e uma sexualidade dominante e furiosa", vinca. "A minha cultura tem muito a aprender, a América do Norte tem muito a aprender".

Ambientada na fictícia Essex College, "The Sex Lives of College Girls" acompanha a cumplicidade - lado a lado com alguma animosidade - que se gera entre as protagonistas, quatro caloiras que se debatem com preocupações sexuais, amorosas, familiares e académias.

The Sex Lives of College Girls
The Sex Lives of College Girls

"Lembro-me muito bem de como era sentir-me tão insegura e querer tanto sentir-me integrada", conta Pauline Chalamet (sim, irmã de Timothée Chalamet). A norte-americana, que antes deste papel participou na comédia "O Rei de Staten Island", de Judd Apatow, e contou com aparições pontuais em algumas séries, defende que "quase ninguém tem uma experiência universitária da forma como é retratada nos filmes de Hollywood".

A atriz acredita que "The Sex Lives of College Girls" marca a diferença nesses retratos, até porque "a grande mais-valia desta série são os argumentistas". "Adoro-os", confessa. "Têm todos percursos muito diferentes e experiências universitárias muito diferentes. Julgo que isso trouxe muito ao argumento. E sei que para a Mindy e para o Justin foi muito importante dar eco a estas vozes e experiências".

"Todas cometemos muitos erros"

Renée Rap completa o elenco principal da comédia dramática "sobre tentar ser-se autêntico num espaço muito pouco autêntico". "Todas cometemos muitos erros em tempo real", frisa. "E talvez as pessoas se revejam em alguns. Abordamos muitas questões complicadas e não rejeitamos a confusão que geram. E a Mindy e o Justin fazem um ótimo trabalho para que tudo se mantenha focado, mesmo que haja comédia e drama exagerados a espaços. Acho o resultado muito autêntico".

The Sex Lives of College Girls
The Sex Lives of College Girls

A norte-americana, que já subiu ao palco da Broadway no musical "Mean Girls" (adaptação da comédia adolescente de Tina Fey), dá corpo a Leighton, a protagonista que menos disputa a simpatia do público. "Ela age como se fosse a personagem principal a toda a hora e única cujos sentimentos importam", descreve a atriz. "Adoro as suas complexidades e o seu humor sarcástico. E o facto de ser tão rude às vezes. Não que eu quisesse necessariamente ser assim, mas acho que é divertido de ver. Desde que não seja às custas dos outros, claro. Fez-me pensar muito na forma como vemos as pessoas".

Além destes primeiros dez episódios, a série já foi renovada para uma segunda temporada. Na realização, há nomes como David Gordon Green ("George Washington", "Joe") ou Zoe Cassavetes ("Uma Americana em Paris") e as críticas foram geralmente positivas.

"Nenhuma das quatro histórias foi minimizada para que outra sobressaísse, o que é muito difícil de fazer", elogia Alyah Chanelle Scott. "Quando vemos um programa da Mindy, sabemos que vai ser perspicaz. E também divertido", acrescenta a atriz.

The Sex Lives of College Girls
The Sex Lives of College Girls

"A Mindy consegue trazer muito dela de forma muito cândida", conta Pauline Chalamet. "Quando andava na faculdade, sentia-me numa espécie de purgatório. Era independente, de certa forma, mas ainda dependia economicamente dos meus pais. E acho que a série capta muito bem essa sensação da entrada na idade adulta".

Raparigas normais

Amrit Kaur considera que a sua personagem "não é necessariamente um modelo para toda a gente. Não acho que seja escrita para isso, mas para admitir que temos uma sexualidade e que temos sexo", assinala.

Mas embora o sexo esteja presente logo no título da série, Chanelle Scott louva que a sua personagem seja "só uma rapariga negra que não é intrinsecamente sensual, é uma pessoa que enfrenta situações e que pode atrapalhar-se pelo caminho". E recorda tempos da sua adolescência em que mulheres negras tinham retratos mais padronizados na televisão e no cinema.

"Era muito frequente ver mulheres negras hipersexualizadas. Apresentavam-se de uma forma a que eu nunca poderia aspirar, porque era só uma rapariga como qualquer outra". Uma rapariga como Mindy Kaling, salienta Kaur. "Ela é uma mulher de ascendência indiana normal que tem coragem de contar histórias de mulheres ascendência indiana normais que têm sexo", descreve. "Só o facto de podermos discutir este tema já é ótimo, e aceito todo o tipo de opiniões". Renée Rap concorda e sintetiza as intenções da série: "Se não falarmos disso, torna-se um tabu ainda maior".

Trailer de "The Sex Lives of College Girls":