Ao longo de cinco décadas, Joan Chen tem feito uma viagem entre o Oriente e o Ocidente mais longa e regular do que a do protagonista de "Marco Polo". De muitos papéis na sua China natal a outros tantos na indústria norte-americana, a atriz de 55 anos começou a ganhar maior visibilidade em finais da década de 1980, com "O Último Imperador", rampa de lançamento para um currículo eclético que inclui colaborações com David Lynch (na série e no filme de "Twin Peaks"), Ang Lee ("Sedução, Conspiração") ou Jia Zhang-ke ("24 City"), mas também títulos menos reputados como "Em Terra Selvagem", de Steven Seagal, ou o primeiro "Judge Dredd", ao lado de Sylvester Stallone. Em entrevista telefónica ao SAPO MAG, recordou parte desse percurso mas falou sobretudo do presente e da personagem pela qual se apaixonou em "Marco Polo", série da Netflix que está de volta com a segunda temporada.
SAPO MAG - Tem-se dito que a segunda temporada de "Marco Polo" ganha um tom mais negro e denso. Essa viragem também marca a sua personagem, a Imperatriz Chabi?
Joan Chen - Sim, a Chabi e o Kubai são muito próximos, têm uma relação muito peculiar, e ela acaba por ser a consciência dele durante a primeira temporada. Mas na segunda isso muda, há situações muito tumultuosas e o arco que acompanha o relacionamento reflete isso: o Kubai começa a afastá-la, o elo entre eles perde alguma coesão. E por isso a minha personagem é continuamente testada, fica com sangue nas mãos, o que vai de encontro à maior intensidade da segunda temporada.
SAPO MAG - Nos primeiros episódios da segunda temporada Chabi confronta-se com algumas decisões difíceis. E opta de facto por vias que talvez não esperássemos dela na primeira...
Joan Chen - É verdade, e isso também nos faz perceber porque é que ela é budista, porque é que ela faz o que faz nesta temporada. Provavelmente não é a primeira vez que ela toma decisões difíceis na sua vida conjugal, até porque o casamento já dura há muito, e o facto de surgirem estes eventos até ajuda a relação deles depois de algumas atribulações no arranque da temporada.
SAPO MAG - Ao longo da sua carreira já interpretou mulheres muito diferentes, incluindo algumas imperatrizes. O que é que Chabi lhe trouxe de novo?
Joan Chen - Já interpretei várias imperatrizes, mas acho que a Chabi é a mais destemida. Além disso, nesta altura da minha carreira, em que vou ficando mais velha, é cada vez mais difícil ter bons papéis, por isso a Chabi é perfeita para mim neste momento. Também sou mãe e esposa e esta é uma ótima oportunidade de mostrar essa dualidade numa mulher - tanto o lado familiar como o mais burocrático enquanto imperatriz.
SAPO MAG - Que informações tinha sobre a verdadeira Imperatriz Chabi? Até que ponto se baseou nelas para desenvolver a personagem?
Joan Chen - Não há muita informação sobre a figura de Chabi, o que de certa forma é bom, porque nos dá liberdade para criar personagens. Nesse aspeto tivemos toda a liberdade do mundo, por isso para mim o mais difícil foi encontrar o âmago da personagem, aquilo que a alimenta e lhe dá força. Até porque nesta segunda temporada ela tem algumas atitudes eticamente dúbias e precisei de encontrar um equilíbrio no seu compasso moral. Quando o argumento nos chega às mãos, é complicado fazer grandes mudanças, mas insisti para que se alterassem alguns detalhes quando achei que algumas opções acabavam por trair a personagem, ou a forma como a vejo. Isso não tem nada que ver com pesquisa mas é determinante para moldar a personagem.
SAPO MAG - Iniciou o seu percurso como atriz em finais dos anos 1970. De então para cá, como vê a evolução de papéis para mulheres no cinema e televisão, em especial para as que pertencem a minorias?
Joan Chen - Durante muito tempo nem sequer tentei conseguir trabalho nos EUA porque não havia muitos bons papéis. Como tenho uma família para sustentar, ia regressando à China para alguns projetos e cheguei a pensar que a América não tinha mais nada para me oferecer. Mas ultimamente as coisas têm vindo a melhorar, o tema da representatividade de minorias nos media tem estado em cima da mesa e essa discussão contribui para que surjam mais oportunidades. O diálogo funciona. Às vezes Hollywood ainda é muito conservadora, mas há exemplos de que a diversidade pode ter público e é vendável. "Marco Polo" é um desses casos e até é quase um caso único ao ter tão poucos atores caucasianos entre um vasto elenco internacional e heterogéneo. 90% do elenco é de ascendência asiática, o que torna uma série destas quase num milagre, sobretudo quando é renovada para uma segunda temporada. É uma aposta incrível da Netflix e da [produtora] Weinstein Company e decididamente um progresso.
SAPO MAG - Qual foi o maior desafio de encarnar a Imperatriz Chabi em "Marco Polo"?
Joan Chen - A minha maior preocupação foi torná-la consistente, fazer dela uma pessoa credível. E isso passa pela forma como fala, como se apresenta, e por encontrar o elemento que a personagem mantenha independentemente das ações que tome. E para mim esse elemento era a absoluta lealdade de Chabi a Kubai e ao Reino. Ela ama profundamente o marido e o filho. É também uma budista que condena a violência, embora algumas das suas atitudes na segunda temporada contrariem essa postura. Mas o desafio foi torná-la credível ao longo desse conflito interior.
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