A pergunta também me ocorreu. Quais os clássicos indispensáveis a quem está prestes a atingir uns respeitáveis 30 anos? À falta de Scorsese, traçou-se uma lista com as recomendações dos apreciadores de cinema mais à mão. “30 antes dos 30” é o mote (embora já sejam muitas mais as recomendações na calha).

Scorsese não é só o ponto de partida deste desafio, mas também um dos nomes mais sugeridos. E nada mais justo do que começar pelo filme que deu ao cinema uma das suas frases mais conhecidas. “Are you talking to me”, pergunta-nos Robert De Niro – a improvisar – na pele de Travis Bickle, um veterano do Vietname de olhar inflamado. Porque as memórias de guerra não o deixam dormir, percorre as ruas da Nova Iorque dos anos 1970 a planear como irá, um dia, limpar a cidade. A partir do seu táxi, Travis vai condenando a sujidade das ruas, a podridão dos vícios, o lado negro da condição humana. E espera pela chuva que, acredita, vai purgar as ruas.

Noite após noite, diferentes personagens cruzam-se no caminho de De Niro. Certa noite, o próprio Martin Scorsese interpreta um passageiro que conta a Travis Bickle como pretende assassinar a sua mulher – plano que perturba o protagonista já alienado da sociedade.

Seria possível apontar a monotonia da sucessão de cenas nocturnas a partir do lugar do condutor, mas só esquecendo dois elementos centrais deste clássico: a fotografia e a música. Michael Chapman é o responsável pela fotografia. Os tons escuros que pintam o filme acentuam-lhe o dramatismo, sobretudo porque são quebrados pelo brilho daquele olhar agitado de Travis Bickle, que espreita pelo retrovisor. Já a banda sonora, por Bernard Herrmann, leva-nos para dentro da mente de Bickle. Guia-nos pelo suspense dos seus pensamentos ameaçadores, feito de saxofones e trompetes. E deixa-nos respirar quando clarinetes dão entrada a figuras quase angelicais como Betsy (Cybill Shepherd).

jodie Foster, Robert De Niro e Martin Scorsese na rodagem em 1975
jodie Foster, Robert De Niro e Martin Scorsese na rodagem em 1975

Um dos momentos altos desta banda sonora surge quando Travis pretende executar o seu plano para salvar Nova Iorque da decadência em que mergulhara, surgindo num comício do candidato presidencial Charles Palantine, em cuja campanha Betsy é voluntária. Travis aparece de mohawk e óculos escuros, carregado com as armas com que o vemos treinar no seu apartamento. Deveria matar o senador mas foge perante a reação dos serviços secretos.

Um novo plano surge então na mente deste antigo marine: libertar Iris (Jodie Foster) do jugo de Sport (Harvey Keitel). Iris é uma prostituta de 12 anos que, numa daquelas noites, tinha procurado uma fuga rápida no táxi de Travis.

Bickle lança-se numa das mais marcantes cenas de "Taxi Driver", ao tentar executar a nova missão. Entrando pelo prédio que serve de bordel de Sport, larga a disparar sobre todos os que encontra. No fim, já perante Iris, tenta cometer suicídio mas, sem balas, finge um disparo com os dedos apontados à têmpora. Apesar de ferido, Travis sobrevive e é considerado um herói por ter ajudado a devolver Iris à família. (Não acabamos nós, espectadores, a considerá-lo também um herói?)

Existem relatos de como Scorsese e Chapman alteraram as cores daquela cena para acentuar o dramatismo do sangue derramado. Histórias da época relatam preocupações para com a presença de Jodie Foster, enquanto criança, num tal cenário. Seria demasiado violento?

Taxi Driver (1976)
Taxi Driver (1976)

Quem vê hoje "Taxi Driver" pode sentir falta de técnicas que acrescentam realismo àquele tiroteio e que não deixariam os atores tão desamparados como parecem ficar. Mas este é um filme de 1976 e vale-lhe o arrojo de ter feito caminho para quem se seguiu.

À memória vêm títulos como "O Resgate do Soldado Ryan" (Steven Spielberg, 1998) ou qualquer Quentin Tarantino. Apesar da escola feita, a verdade é que, passados 40 anos na história do cinema, poucos conseguiram criar um protagonista que nos faz hesitar entre o entusiasmo de quem o quer ver vencer e o desconforto de quem identifica uma vítima da sua própria solidão. Quarenta anos depois, terá havido alguém a criar uma personagem como Scorsese e De Niro conseguiram fazer?

Veja mais no blog de Filipa Moreno.