Woody Allen ainda não se sabe se está reformado do cinema e se “Golpe de Sorte”, o 50.º filme da carreira, será o último.

“Estou em dúvida sobre isso. Não quero ter que sair para arranjar dinheiro. Acho isso muito penoso. Mas se alguém aparecer e contactar a dizer que queremos financiar o filme, então pensaria nisso a sério. Provavelmente não teria força de vontade para dizer não, porque tenho muitas ideias", disse recentemente ao AirMail (via Deadline) durante uma entrevista para falar sobre a sua sombria história de amor ambientada em Paris, o primeiro filme rodado em francês, mas que também pode ser o último.

O tema da reforma artística surgiu com mais força quando o cineasta de 88 anos revelou numa entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia em setembro de 2022: "A minha ideia, em princípio, é não fazer mais filmes e forcar-me na escrita".

Um comunicado em seu nome após o impacto da declaração esclarecia a posição: "estava a pensar em não fazer filmes pois fazer filmes que vão direta ou muito rapidamente para as plataformas de streaming não é tão agradável para ele, já que é um grande apaixonado pela experiência das salas de cinema".

Ano e meio depois e a propósito do lançamento de "Golpe de Sorte" nos EUA, Allen confirma que um dos motivos para o afastamento é o atual estado do cinema.

"Não é importante para mim se sou distribuído aqui ou não. Depois de fazer um filme, não o acompanho mais. A distribuição já não é o que era. Agora são duas semanas num cinema... toda a indústria mudou e não de uma forma apelativa. Perdeu-se toda a magia de fazer cinema", completou.

"Golpe de Sorte"

Vencedor de quatro Óscares por "Annie Hall" (1977), "Ana e as Suas Irmãs" (1986) e "Meia-Noite em Paris" (2011), Allen é considerado o inovador da comédia moderna e um mestre em dissecar as fobias e ansiedades do intelectual urbano.

No entanto, a vida privada do mais europeu dos cineastas americanos ganhou tantas manchetes como os seus filmes nas últimas três décadas por causa das acusações nunca comprovadas de apalpar sexualmente a sua filha adotiva, Dylan Farrow, quando ela tinha sete anos.

Allen, que sempre negou os alegados abusos, passou a ficar na defensiva enquanto via as portas de Hollywood a fecharem-se para ele, sobretudo, no seguimento do movimento #MeToo no outono de 2017, forçando-o a virar-se para a Europa.

Numa passagem em setembro de 2023 por Portugal, no âmbito de uma digressão da New Orleans Jazz Band, na qual é clarinetista, Woody Allen já falava da mesma forma sobre os obstáculos à agência Lusa.

“É sempre difícil angariar dinheiro para filmes e é aborrecido. Se alguém me ligar e disser que financia o meu filme, tudo bem. Mas não me apetece ligar, ir a almoços, a reuniões e arranjar dinheiro. Se alguém se chegar à frente, eu talvez considere fazer o filme. Mas isso não acontece com frequência. […] Quero fazer outro filme? Não sei, talvez sim, talvez não. Quero escrever algo para teatro? Escrever um livro, talvez um romance? Não sei”, esclarecia.

Já então referia o outro grande senão na hora de decidir fazer mais um filme.

“Não gosto da ideia de fazer um filme, ficar em sala durante duas semanas e depois aparecer na televisão. Estou habituado a que um filme chegue ao cinema e fique lá por meses! As pessoas agora veem na cama, na sala. Não é a mesma coisa”, lamentou, a propósito da expansão do ‘streaming’.

"Todos os hábitos de ir ao cinema são diferentes. Agora ficas em casa, pressionas o botão e vês um filme. Os realizadores não gostam disso. Eu não gosto", opinou.

TRAILER "GOLPE DE SORTE.