A adaptação do romance de 1959 “Aparição”, de Vergílio Ferreira (1916-1996), produzida e realizada por Fernando Vendrell, estreia-se esta quinta-feira no Fantasporto, que decorre até domingo no Teatro Municipal Rivoli, no Porto.
Com estreia marcada para as 19h00, no âmbito da Semana dos Realizadores do festival, “Aparição” parte da história de Alberto (Jaime Freitas), um jovem professor em Évora, e das personagens com que se depara, num romance que tem “traços autobiográficos” do próprio autor português.
Descrita como uma obra existencialista, tanto o livro como o filme suscitam várias “questões e inquietações vitais, inerentes a qualquer ser humano”, disse à Lusa o realizador do filme, Fernando Vendrell, também coprodutor, com Luís Alvarães.
“Foi nessa descoberta das questões essenciais e na transformação deste jovem professor do liceu, que de repente vai parar a uma cidade de província [Évora] e está magoado pela morte do pai, descobrindo um universo totalmente diferente, uma vida emergente, uma situação passional intensíssima, e confrontar-se novamente com a questão da morte, que é o dilema da Humanidade”, resumiu.
Baseado num projeto “antigo” da produtora David&Golias, e a partir de uma adaptação dos argumentistas João Milagre e Fátima Ribeiro, “Aparição” beneficiou também da “janela de oportunidade da aproximação do centenário do nascimento do autor, para interessar mais os financiadores”.
“Pessoalmente conhecia a obra da minha adolescência, mas foi como trabalhar do zero, numa redescoberta totalmente diferente da obra. Será isso que as pessoas vão sentir a ver o filme”, esclareceu o realizador.
Para o trabalho de adaptação, o cinema é “um meio mais limitado” devido às especificidades e à falta de “interioridade e capacidade filosófica que uma obra literária tem”, pelo que foi “muito difícil, quase impossível, plasmar o conteúdo filosófico e existencialista no filme”.
Uma das marcas do filme é seguir a “questão autobiográfica” de Vergílio Ferreira e a sua aproximação à personagem principal, Alberto, bem como outras personagens, como Sofia (Victoria Guerra) ou Carolino (João Cachola).
“Essa ideia de ele próprio se projetar neste jovem escritor deu um eixo muito forte para a minha adaptação. Outra questão determinante foi a utilização da parte do autor de pessoas e conhecimentos da sua vida real”, contou Vendrell, que revelou que durante a rodagem, em Évora, várias pessoas que conheciam a obra apontaram possíveis pessoas reais como inspiração para as personagens.
Para Vendrell, é um regresso a um festival que tem acompanhado a sua carreira, depois de estrear a sua primeira longa-metragem como realizador, “Fintar o Destino”, na mostra, e de receber, em 2015, o prémio carreira do evento.
“Assim que fiz o filme, pensei que queria prestar um tributo ao facto de o festival me ter acolhido, até num momento de transformação e dificuldades financeiras no cinema português, retribuindo e entregando o filme”, explicou.
Depois de uma carreira em que trabalhou como assistente de realização e produção para vários realizadores portugueses, em particular Manoel de Oliveira, Vendrell elege o Porto como “o berço da cinematografia portuguesa”, outra das razões pela qual é “tocante e emotiva” a exibição do filme no Fantasporto.
Depois de passar no festival, “Aparição” segue para as salas de cinema, a partir de 22 de março, com várias sessões, em Lisboa e Évora, a incluírem uma apresentação da parte da equipa de rodagem do filme.
Em 1980, Lauro António adaptou para o cinema “Manhã Submersa”, romance publicado por Ferreira em 1954 que apresenta traços ideológicos e filosóficos similares a “Aparição”, depois de, quatro anos antes, já ter dirigido o documentário “Prefácio a Vergílio Ferreira”.
No sábado, pelas 18:30, o Fantasporto homenageia o realizador e argumentista com a apresentação do filme, recordando o também crítico e criando uma ponte com a antestreia do filme de Vendrell.
Sobre a obra de Vergílio Ferreira, Fernando Vendrell considera que a mesma “está muito esquecida”, bem como a sua “coragem inerente que devia ser recuperada para a modernidade”, até por ser “um dos maiores escritores do século XX”, e espera que o filme possa trazer “uma releitura e nova modernidade ao romance”.
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