(*) Notícia corrigida a 8 de novembro com alteração do título do ciclo para "Cinema 70" para "América 70" e de Cineclube Alvalade para Alvalade Cineclube.
O Alvalade Cineclube promove nas próximas quinta-feiras na sala de cinema da universidade Lusófona o ciclo América 70, onde serão exibidos e debatidos sete filmes americanos.
O primeiro foi “Destinos Opostos – Five Easy Pieces”, de Bob Rafelson, cuja sessão ontem às 21h00 teve como convidados o crítico Luís Mendonça e a diretora de fotografia Marta Simões, em debate moderado por Susana Bessa.
O SAPO Mag conversou com o diretor do Cineclube, Bruno Castro, sobre a década de 1970, que é das mais fascinantes no cinema: de um lado, herdavam-se todas as liberdades temáticas conquistadas ao longo do decénio anterior; de outro, os cineastas estavam livres das amarras da indústria.
Como tudo o que é bom acaba, a retoma do controle dos mercados por Hollywood a partir, especialmente, de “Star Wars”, e a juvenilização do cinema, jogariam uma pá de cal sobre o realismo adulto dos "70s".
“Essa foi a década mais honesta da história do cinema”, diz Bruno Castro.
Fincada na ressaca dos musicais, dos “westerns”, dos épicos dos anos 1960, as obras tornaram-se viscerais e não tinham medo de filmar nas ruas sujas das metrópoles e apostar num assinalável nível de realismo: “Eram filmes muito libertos, são sujos, os seus anti-heróis são angustiados. Eles não tinham problemas em trazer a rua e todos os seus problemas para dentro deles”, observa.
Alguns dos realizadores são apanhados em momentos completamente atípicos na evolução das suas carreiras. Martin Scorsese, por exemplo, surge com “Taxi Driver” – certamente um tipo de experiência muito diferente da “pré-canonização” que o cineasta experimentaria a partir dos anos 1980. O filme, aliás, de longe o mais famoso dos trabalhos a serem exibidos, está longe de ter esgotado os debates e as múltiplas leituras que se podem fazer dele.
Neste sentido, conforme analisa Castro, os anos 1970 partilham uma espécie de sintonia com os dias atuais – onde o momento da humanidade surge fragmentado, sombrio, sem o otimismo que era possível encontrar nos anos 1990, por exemplo.
Mas ainda há um outro facto de grande relevo para uma deslocação à Lusófona: exceto para aqueles que tiveram a sorte de apanhar alguma sessão da Cinemateca, a maioria dos que nasceram depois de 1960 nunca viram o filme em sala.
“Ver ‘Taxi Driver’ no grande ecrã é uma experiência muito diferente”, assegura.
O ciclo começou com Bob Rafelson no seu segundo filme depois de um musical com os Monkeys: “Destinos Opostos - Five Easy Pieces” é um dos primeiros filmes importantes de Jack Nicholson e tornar-se-ia um clássico.
O mesmo estatuto aplica-se a “Serpico”, filme de um Sidney Lumet já em alta que traz um violento retrato da corrupção generalizada da polícia e, conforme assinala Bruno Castro, “mesmo sendo um filme feito com mais recursos que os outros, ele nunca se deixa deslumbrar com isso e não se esquiva a trazer uma Nova Iorque incrivelmente suja para o ecrã”.
“Uma Mulher sob Influência” é uma das mais famosas obras de John Cassavetes e, novamente, é um filme que permite análises contemporâneas diferentes das que foram feitas na altura – com ênfase em questões de doença psíquica, relações pessoais e dinâmicas de género.
Os três últimos trabalhos a serem exibidos são os menos conhecidos e o diretor do Alvalade Cineclube enfatiza que reforçam um compromisso do ciclo com a diversidade estética e temática. “Girlfriends”, por exemplo, foi realizado por Claudia Veill, autora que, depois de uma experiência de produção tumultuada dois anos depois, nunca mais fez um filme.
“Car Wash”, por seu lado, é considerado pelo coprogramador como um dos grandes OVNIs do ciclo, trazendo uma comédia musical onde um grupo de afrodescendentes canta, dança e dialoga enquanto lava carros. “É hilariante”, recomenda.
Os negros vão protagonizar também “Killer of Sheep”, obra que vem ganhando uma revalorização e um novo estatuto depois de ter passado fora do radar de público e crítica aquando do seu lançamento. Não espanta – afinal é um tratamento sem uma história linear a propósito de uma comunidade afro-americana de uma grande cidade americana.
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