A caminho dos
Óscares 2019
Era um projeto muito pessoal, íntimo, tanto que é praticamente uma fotografia da sua infância no número 21 da rua Tepejí, no bairro Roma Sul, na Cidade do México.
Alfonso Cuarón não imaginou que esta produção a preto e branco, produzida no seu país natal e por uma equipa técnica mexicana, falada em espanhol e no dialeto mixteco, teria tanto êxito na temporada de prémios do cinema, incluindo dez nomeações aos Óscares. No evento de gala do cinema americano, que acontece este domingo, o próprio Cuarón concorre nas categorias de filme, argumento, fotografia e realização.
"(O objetivo) Era participar de um processo que não superasse o fazer, reinventando-o e aprendendo com o processo, isso era fundamental", disse à AFP o cineasta de 57 anos, vencedor do Óscar em 2014 com "Gravidade".
A intenção do mexicano era trabalhar de uma forma que nunca tinha feito, daí a decisão de filmar cronologicamente, algo muito invulgar na produção de uma longa-metragem, e de não apresentar à equipa o argumento completo.
"Um caos" criado de propósito
"Roma" conta a história da ama de Cuarón, uma jovem de origem indígena que engravida após as primeiras experiências sexuais e que é interpretada pela novata Yalitza Aparicio, nomeada ao Óscar na categoria de melhor atriz.
O filme também aborda a história da mãe do cineasta, que encara um processo de separação, e os conflitos domésticos e estrutura social do México da década de 1970.
O elenco também participou muito no processo de reinvenção: o primeiro requisito era que os atores tivessem traços físicos parecidos com os personagens que deveriam interpretar, deixando em segundo plano a experiência profissional.
A maior parte dos atores de "Roma" eram estreantes num set de filmagem, como Aparicio.
Todas as manhãs, durante os 108 dias de gravações, o período mais longo de trabalho da sua carreira, Cuarón dava instruções diferentes à equipa, e assim, "quando começava a filmar era um caos, como um engarrafamento, pois assim é a vida, que não é organizada", disse numa entrevista recentemente.
Esta situação aconteceu na cena em que a mãe pede às crianças para escreverem cartas ao pai que pensam estar numa viagem de trabalho.
"Eu disse à Marina (de Tavira), que interpreta a mãe: 'o filho mais velho é o que mais sente a falta do pai, é o mais próximo dele, por isso garanta que ele escreva uma boa carta'. De seguida, secretamente, disse ao jovem ator: 'quando a tua mãe começar a falar contigo, levanta-te e sai'".
O mesmo aconteceu quando o bebé de Cleo, a empregada doméstica, nasce morto.
Aparicio "não sabia o que ia acontecer", contou Cuarón. "Quando o médico lhe pergunta se ela quer ver a criança, ela disse que sim, foi uma reação honesta", apesar de na história real, Libo, a ama do realizador, se ter recusado a vê-lo. "Cedi a um momento de verdade nesta história".
"Não quero que seja assim"
Marina de Tavira, nomeada ao Óscar de melhor atriz secundária pelo seu papel de Sofía, disse à AFP que vivenciou "todo um processo de ajuste", mas que não conhecer o guião completo "ajudou muito para não recorrer a um processo técnico de criação de um personagem, levando a algo muito próximo de uma consequência da realidade, ao mergulhar neste mar que Alfonso propôs".
Cuarón destacou que dentro da sua carreira, este nível de improviso foi algo que o cativou. "Tinha feito pequenas coisas, mas nunca neste nível, e isso é algo que me intriga, é algo que continuarei a experimentar".
Um processo similar aconteceu também com a direção artística. Quando Eugenio Caballero, vencedor do Óscar por "O labirinto do fauno", foi chamado por Cuarón para participar no trabalho, a primeira coisa que fez foi pedir ao cineasta o guião. "Ele disse-me: 'não, está escrito, mas não quero que seja assim'", recordou Caballero.
Após longas conversas com o cineasta, Caballero recriou a casa da família de Cuarón nos anos 1970. Ser detalhista era o ponto chave.
"O que havia na mesa, que tipo de vendedor ambulante passava pela rua, o que lhe chamava atenção pelo som", explicou à AFP. "Como era o cheiro de um local, de alguma planta, esse tipo de coisa, e assim construímos o filme", disse.
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