A caminho dos
Óscares 2019
Paradoxalmente, esta jovem sóbria de 25 anos e origem indígena, parte triqui e parte mixteca, só viu um filme no cinema aos 15 anos, quando viajou com a sua escola a Puebla, a 350 km de Tlaxiaco, a sua cidade natal.
Em Tlaxiaco, um povoado entre áreas de floresta no estado de Oaxaca (sul), com 40.000 habitantes, "há muitos anos que fecharam o único cinema" que exibia filmes lançados até cinco anos antes, conta à AFP o veterano Miguel Ángel Martínez, encarregado da Casa de Cultura de Tlaxiaco.
A sala fechou, enquanto os reprodutores de vídeo começavam a aparecer, incentivando o mercado de contrabando de filmes de estreia recente.
Num mercado ao ar livre, instalado ao lado da igreja e da torre do relógio, um letreiro verde fluorescente que diz "100% clone: garantido" oferece por 20 pesos (o equivalente a um dólar) uma cópia pirata de "Roma", último filme do premiado Alfonso Cuarón que retrata, a preto e branco, a sua querida ama, interpretada por Yalitza.
Esta mulher de pele morena, longos cabelos negros e gestos discretos, recém-formada como professora de pré-primária e que cresceu numa casinha de tábuas e teto de zinco, no meio de flores, vacas e galinhas, tornou-se a estrela de Cuarón e está nomeada ao Óscar de melhor atriz.
"Pinche índia"
As capacidades de interpretação improvisadas de Yalitza foram elogiadas na Europa e nos Estados Unidos, enquanto a sua imagem dominava as primeiras páginas de revistas internacionais de prestígio. Mas com a fama também veio uma chuva de comentários racistas e classistas nas redes sociais e, inclusivamente, da boca dos seus colegas.
"Que se metam a nomear uma 'pinche índia' que diz, 'sim senhora, não senhora', e que a enfiem numa categoria de melhor atriz nos Óscares...", criticou o ator mexicano Sergio Goyri durante uma conversa privada difundida pela Internet, referindo-se à atriz com um termo usado para algo insignificante e desprezível.
Outros atores também questionaram a vocação e o talento de Yalitza, despertando a indignação de Cuarón.
"Yalitza é um dos melhores atores como os quais trabalhei. É um erro e uma atitude racista pensar que ela só se estava a interpretar a si mesma, é dar uma limitação muito grande a uma mulher apenas pela sua bagagem indígena", disse o cineasta à emissora Televisa.
Até mesmo na sua própria localidade, o trabalho de Yalitza foi menosprezado."Eu não gostei do filme e menos ainda da interpretação dela. É tudo muito trivial", disse Rogelio López, um vendedor de bijuterias de Tlaxiaco.
Inexperiente, Yalitza teve que se defender dos "comentários ofensivos". "Espero que acabemos com esta ideia, eu pessoalmente pensei que não podia fazer parte disto (o cinema), que soa como um conto de fadas porque toda a minha vida cresci a ver mulheres diferentes no ecrã", disse à imprensa.
"Eu não vim para o casting"
"Eu quero, sim, que ela ganhe o Óscar, estou muito orgulhosa de que nos represente: às mulheres, às indígenas, às mexicanas, às trabalhadoras do lar, ao povo do campo. Tantas coisas", disse Catalina Chávez, artesã de 39 anos.
Gladys Morales, de 24 anos, que foi colega de Yalitza no ensino básico, admira a simplicidade e a moderação com que ela assumiu o seu destino vertiginoso.
"Em dezembro, esteve aqui (em Tlaxiaco para as festas de fim de ano). Eu vi-a a caminhar com a mãe, foram fazer compras. Aqui é tão simples como sempre foi", contou.
Mas como chegou a humilde Yalitza à Meca da Sétima Arte? Tudo começou com uma seleção de elenco insólita.
Em abril de 2016, foi lançada uma convocatória em Tlaxiaco - e em outras regiões do México - para encontrar a protagonista de "Roma".
"Eu pensei na Edith (Aparicio). É moreninha e muito extrovertida", conta Miguel Ángel Martínez, ao explicar que a irmã mais velha de Yalitza "tem uma voz magnífica" de cantora, é "muito talentosa, muito sociável, com muito carisma e vivacidade".
Edith foi acompanhada da irmã e fez feliz o casting que consistiu de uma sessão de fotos e cinco perguntas sobre a sua vida pessoal, mas a organizadora do casting insistiu que Yalitza também fosse submetida à prova.
"Eu não vim fazer o casting, só vim acompanhar a Edith", disse Yalitza, lembra Martínez.
Mas Edith incentivou-a e levou-a "pela mão" à prova... Até que chegou a "Roma" sem saber quem era Cuarón, relata Martínez.
"Ela chega 'virgem', isso permite-lhe atuar com tanta naturalidade", considerou.
Das salas de aula às salas de cinema. Será que Yalitza terá que escolher entre dois mundos? "Também se ensina com o cinema", disse recentemente em uma entrevista.
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