
"O Lugar dos Sonhos", novo filme de Diogo Morgado, chega esta quinta-feira, dia 28 de agosto, às salas de cinema em portugal. A longa-metragem cruza elementos "nostálgicos com temas universais como o legado, o perdão e o poder da imaginação", numa celebração da sétima arte enquanto linguagem partilhada entre gerações.
O filme conta com Carlos Areia, Gonçalo Menino, Áurea, Maria Viralhada, Carmen Santos, Guilherme Filipe, Ricardo de Sá, Pedro Lacerda, José Pompeu e Mário Oliveira no elenco.
Em entrevista ao SAPO Mag, Diogo Morgado frisa que o objetivo central de "O Lugar dos Sonhos" é criar um filme capaz de unir várias gerações (crianças, pais e avós) numa experiência cinematográfica partilhada, celebrando a imaginação, o prazer de ir ao cinema e a memória de clássicos que marcaram a sua própria infância.
SAPO Mag. "O Lugar dos Sonhos" chega esta quinta-feira às salas de cinema em Portugal. Quando é que começou a borbulhar esta ideia na tua cabeça?
Diogo Morgado: Olha, isso já foi há um ano e tal... Aliás, já tinha vontade há bastante tempo de fazer um filme que fosse para a família, um filme que juntasse a malta nova, que hoje em dia tem uma série de informação: videojogos, YouTube, máquinas digitais… Estão sempre a ser bombardeados com tanta coisa que é difícil.
Eu acho que no cinema português não me recordo de filmes nenhuns feitos a pensar nesta malta mais nova. E eu queria fazer um filme que, de alguma forma, juntasse a família — que a malta nova pudesse ir com os pais, com os avós, que se divertissem e que fosse uma boa história. E, ao mesmo tempo, uma história que, em vez de ser uma crítica, fosse uma sugestão: criar pontes de ligação entre as gerações, em vez de ser uma coisa cada vez mais distante.
E depois, de teres esse objetivo em mente, essa ideia, como é que foi o processo de criar a história, de contar a história para este filme?
Essencialmente, este filme é uma homenagem a muitos dos filmes que, para mim, foram referências. Ou seja, eu lembro-me de ter, sei lá, 10 ou 11 anos quando vi pela primeira vez o filme "Cinema Paraíso". Há muito de homenagem neste filme. Aliás, sim, há muita homenagem desse filme, do "Cinema Paraíso".
Depois, fazemos menções e recriações de outros filmes, porque isto, no fundo, é uma viagem que o avô e o neto fazem por uma série de recriações e imaginações de filmes que estão a ser apresentados pela primeira vez a este miúdo, que tem uma imaginação muito fértil, mas sempre num mundo dos videojogos e do YouTube. Então, a imaginação dele vai sendo polvilhada, mas desta vez levada pela mão do avô para o mundo do cinema.
Para mim, são todos filmes que foram muito importantes. Uns por uma razão, outros por outra... alguns por puro entretenimento e que me marcaram quando os vi, outros de outra maneira. Portanto, ficou claro para mim que queria uma história para a família.
E, com essa homenagem ao cinema, para mim ficou claro que eu tinha que, de alguma forma, inspirar-me em filmes que foram importantes para mim e que espero que muitos miúdos — que, se calhar, nunca os viram — possam descobrir. O "Feiticeiro de Oz", "Casablanca"... são clássicos que, se calhar, levam os miúdos a perguntar aos pais: "Oh pá, mas e esse aqui é o quê?" ou "Oh mãe, esse filme é o quê?".... "Oh, mas não é o avô?... E, se calhar, até abre o diálogo para assistirem juntos a esses filmes.
Queria que este filme fosse, essencialmente, uma ligação — uma construção de pontes entre as gerações.
E, depois da ideia, de montar todo esse puzzle no papel, como é que foi passar a imaginar como seria? A cara dos atores? Quem iria interpretar cada papel? E como foi o processo de escolher os locais de gravação?
Esse processo foi muito sério, porque eu sabia que este chamado “Lugar dos Sonhos”, no fundo, é um videoclube — talvez um dos últimos videoclubes; pelo menos, na história, é mencionado como possivelmente um dos últimos em atividade no país. Portanto, para mim, o videoclube era um grande protagonista, se não mesmo o grande protagonista, para além, obviamente, do avô Júlio, interpretado pelo Carlos Areia, e do João, pelo Gonçalo Menino.
Era imaginar como é que este espaço poderia ser a casa de uma série de aventuras e de imaginação que estes dois miúdos iriam ter, porque, no fundo, o avô fica com o miúdo a imaginar e a recriar todas aquelas histórias. Depois, o processo foi muito orgânico. Eu acho que, quando estás a contar algo que acaba por ser muito direto no seu propósito — ou seja, uma história para a malta nova, mas também para os pais e para os avós —, e quando a intenção é clara, torna-se muito mais fácil desenvolver um argumento que cumpra esse objetivo. Não foi uma coisa muito complicada.
Tu falavas de imaginar os atores, por exemplo. Para mim, é importante também, na altura em que estou a escrever, não me agarrar demasiado a atores específicos. Porque, se depois, por alguma razão, isso não acontece, a decepção é tão grande que parece difícil imaginar outras pessoas a fazer aquilo. Então percebi cedo, nos meus argumentos, que convém não ficar preso a nenhuma escolha específica. E, portanto, foi assim.
E este filme, além disso, cruza atores de diferentes gerações, não é? Também aí houve, com certeza, muitas partilhas nos bastidores, de histórias e de experiências.
Sim, quer dizer, para eles mais do que para mim. Eu acredito que sim, porque, para mim, eu estava tão focado… Ou seja, eles tinham um espaço entre as cenas. Havia uns que não participavam em todas as cenas, e tinham espaço para conversar, para partilhar, para contar essas histórias. Eu, por outro lado, estava tão obcecado em tentar contar esta história da melhor forma possível dentro do orçamento que tínhamos, que a minha prioridade máxima era cada cena em que estávamos.
E, falando do orçamento, acredito que seja sempre um dos grandes desafios de fazer cinema em Portugal, não é? É uma corrida contra o tempo.
Sim, sobretudo quando se fala de cinema independente, não é? Quando há um orçamento apoiado pelo Estado, é diferente. Este filme é mais um daqueles — de todos os filmes que eu fiz — que não teve qualquer apoio financeiro do Estado. Portanto, é importante perceber que estávamos a fazer cinema independente, mesmo independente.
Estamos a falar de entidades, de marcas, de produtoras que, de forma independente, investem nesta história na esperança de que ela encontre o seu público, que seja pertinente e que o público possa compreender e aderir.
Essencialmente, isto é uma grande bandeira para o cinema, não só para o cinema português, mas para o cinema em geral, porque o cinema tem vindo a decair desde a COVID com a explosão do streaming, e foi uma das áreas mais afectadas. Este filme, para mim, é também uma tentativa de trazer às pessoas a memória de quão única é a experiência de ver um filme em conjunto com alguém numa sala. E aqui isso está personificado num cinema — ou melhor, num videoclube —, mas temos várias cenas que são projeções de cinema mesmo.
E, quando estás a idealizar o filme, claro que o objetivo primordial é que ele passe na sala de cinema, que seja visto no grande ecrã. Mas sabemos que, muitas vezes, as pessoas esperam para ver no streaming. Tens isso em pensamento também?
Honestamente, não. Não tive isso em pensamento. Eu acho que as pessoas estão tão habituadas a ver as coisas neste momento no ecrã pequeno, numa televisão ou no telefone, que o meu foco principal era, de facto, fazer um filme para o cinema. Portanto, fazer um filme que fosse visto, ouvido, assistido e sentido, em comunhão, numa sala de cinema. Esse foi o meu foco principal.
Obviamente, se conseguíssemos essa experiência — e se ela fosse bem-sucedida —, tudo o resto seria benéfico. É a carreira normal de um filme: quando acaba o seu ciclo no cinema, fará a sua exibição noutras plataformas.
E, falando mais um bocadinho sobre o videoclube, lembras-te dos primeiros filmes que foste buscar a um videoclube?
Lembro-me da experiência de ir ao videoclube. O único acesso que tínhamos à história era a descrição que vinha atrás das caixas. Portanto, lembro-me de ir segmento a segmento, de género em género — terror, comédia —, escolher e ficar ali a ler todas as descrições dos filmes para garantir que fazia a opção certa.
Lembro-me da multa que cobravam se a cassete não viesse rebobinada, porque tínhamos que ver o filme, rebobinar e trazê-la para o início. Lembro-me de ter comprado um rebobinador mesmo, para não cansar os motores do VHS, porque eu via mesmo muitos filmes. Portanto, era uma máquina à parte, cuja única função era rebobinar a cassete.
Esse tipo de coisas são memórias que guardo com muito carinho e que adoraria ter incluído no filme também. Mas, para mim, foi mais importante falar uma linguagem que os miúdos hoje em dia compreendessem. Era muito importante que este filme fosse para os pais, mas sobretudo para os miúdos.
Então, não me adianta estar a falar de rebobinadores e VHS, quando isso é apenas curioso e só quem viveu aquilo encontra valor nisso. Eu preferi passar brevemente por esse tipo de coisas, fazendo uma homenagem a quem viveu esse tempo — vão encontrar essas referências de forma muito breve —, mas, essencialmente, foquei-me em como conseguir atrair estes miúdos a uma sala de cinema. E não só a uma sala de cinema: queria que tivessem uma boa impressão do cinema português. Que, daqui a cinco ou seis anos, ou dez anos, digam: “Lembro-me de ter visto um filme português que adorei.”
Para mim, isso é muito importante. Tenho um filho de 9 anos e um de 15. Era mesmo essencial que houvesse um esforço para tentar chegar a esta malta. Não podemos apenas dizer que o cinema está mal e depois não haver, por parte das produtoras portuguesas e dos criadores, uma tentativa de mostrar isto nos sítios certos. Portanto, para mim, foi muito importante.
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