
Seymour Hersh, um dos jornalistas mais influentes dos EUA dos últimos 60 anos, é o tema, por vezes relutante, de um novo documentário que investiga os seus maiores exclusivos e ocasionais erros, bem como a sua vida privada.
Correalizado pela cineasta vencedora de um Óscar Laura Poitras, "Cover-Up" estreou no Festival de Veneza na sexta-feira, revelando tanto o charme vibrante de Hersh, de 88 anos, como o seu carácter frequentemente irritadiço.
"Isto está a tornar-se cada vez menos divertido. Gostava de parar", diz Hersh a Poitras e ao correalizador Mark Obenhaus a dada altura do documentário, lamentando a sua decisão de se sentar para o filme de 117 minutos.
"Estava muito feliz por não falar de mim, muito feliz."
Hersh abre um pouco a porta à sua vida, com os espectadores a descobrirem a sua infância, por vezes difícil, em Chicago, como filho de exilados judeus da Europa de Leste numa família que descreve como fria, fechada e intelectualmente estéril.
"Vivi de livros. Os livros ensinaram-me a pensar", diz.
O antigo jornalista da Associated Press, The New York Times e New Yorker é cauteloso ao falar da sua mulher de 60 anos, Elizabeth, uma psicanalista que serve como a sua força estabilizadora.
"Desespero muito, por isso fiquei muito feliz por me casar com ela", revela.
"Irritação"

Embora o desconforto seja o foco da história, Hersh ganha vida ao discutir o seu trabalho, abrangendo os exclusivos de reportagem que abalaram o mundo, das atrocidades militares americanas em My Lai, no Vietname, aos abusos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, cometidos pelas tropas americanas em 2004.
Há ocasionais lampejos de uma arrogância que fez dele uma personagem controversa entre os seus pares — e talvez sejam os culpados por alguns dos erros que mancharam a sua reputação nos últimos anos.
"Queríamos captar a sua resistência, o seu humor, a sua irritabilidade e a sua atitude protetora em relação às suas fontes", disse Poitras à agência France-Presse (AFP), em entrevista.
"Acho que a sua ressalva era que não é a história. A história é o seu jornalismo."
A criadora do vencedor do Óscar de Melhor Documentário "Citizenfour" (2014), sobre o denunciante Edward Snowden, e "Toda a Beleza e a Carnificina" (2022), sobre a artista Nan Goldin, realçou que a história de Hersh aborda um ponto mais abrangente sobre os media, bem como sobre o poder americano.
"Isto dá-nos uma perspectiva histórica de meio século de abusos de poder nos EUA, e também do jornalismo e do seu papel ao longo do tempo", disse Poitras.
E acrescentou: "O governo, com as suas forças armadas, comete um crime, mente sobre ele, Sy (Hersh) descobre-o e mentem descaradamente, e ninguém é responsabilizado. Existem ciclos de impunidade, e acredito que estes ciclos de impunidade sem repercussões nos levam até onde estamos hoje."
Fazer as perguntas
Investigador implacável e ainda ativo, Hersh continua a trabalhar hoje, migrando grande parte do seu trabalho para o site de blogues 'online' por subscrição Substack.
Uma notícia recente — a de que o presidente norte-americano, Donald Trump, tinha decidido bombardear instalações nucleares iranianas a 22 de junho — foi largamente ignorada pelos restantes meios de comunicação social, o que sublinha os problemas de credibilidade de Hersh no final da carreira.
"Cover-Up" aborda brevemente as reportagens de Hersh, que lançaram dúvidas sobre o uso de armas químicas pelo presidente sírio, Bashar al-Assad, contra o seu próprio povo e as suas alegações de que os EUA foram responsáveis pela explosão do gasoduto russo Nord Stream 2 em 2022.
As investigações criminais e das Nações Unidas, bem como outras investigações dos meios de comunicação social, minaram ambas as afirmações.
"É um filme sobre jornalismo, por isso tivemos de fazer as perguntas que você faria ou que ele faria", disse Poitras à AFP.
A realizadora acrescentou que não considerava o seu trabalho vetar todo o trabalho dele.
Hersh admite cometer erros, mas defende o recurso a fontes anónimas e, por vezes, únicas, para fundamentar as suas revelações.
O seu alvo atual é Donald Trump.
"Este é um homem que quer ficar aqui para o resto da vida... Acredito que esta é a sua única missão. Não quer ter outra eleição", disse Hersh na sexta-feira.
"Não tenho esse tipo de acesso a ele, mas estou a trabalhar nisso. Este é um mau momento para os EUA."
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