"Madalena" é um filme do realizador brasileiro Madiano Marcheti contra a transfobia que, em entrevista à agência France-Presse (AFP), denuncia que a situação da comunidade LGBTQIA+ no país sob o governo de Jair Bolsonaro "está muito pior" do que antes.
Após a exibição no passado domingo no Queer Lisboa 25, no Cinema São Jorge, onde concorre na categoria de Melhor Longa-Metragem, o drama de Marcheti entrou esta semana na disputa pelo prémio de melhor filme latino-americano no Festival de Cinema de San Sebastián, que divulgará o seu palmarés no sábado.
O filme narra a história do desaparecimento numa região conservadora do país da transexual Madalena, assim como as reações das pessoas que a conhecem, que vão desde a indiferença até a presunção de que ela está morta, por esta ser uma "hipótese natural" para as pessoas transexuais, explica Marcheti.
"Infelizmente, a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos e, para essas pessoas, acaba sendo uma hipótese natural: se desaparecem é porque podem ter sido assassinadas", explica o realizador à AFP.
Além disso, "Madalena" também é uma história que ele tinha de contar.
"Queria falar sobre o meu lugar de origem no Brasil, o estado do Mato Grosso [...], região muito conhecida e importante no país pelo agronegócio. Queria falar sobre os impactos do agronegócio na natureza e na vida das pessoas", indica.
"Por outro lado, também quis falar sobre as minhas experiências. Cresci nessa região muito conservadora, cresci sendo gay e foi difícil, sentia-me parte e, ao mesmo tempo, não me sentia parte desse lugar, então quis falar dessa sensação", destaca.
Madiano Marcheti também procurou chamar a atenção para "a transfobia porque, na população LGBTQIA+, as pessoas trans são as que mais sofrem violência", acrescenta.
Ataques normalizados
O realizador afirma que, embora o filme "tenha nascido há cinco anos", hoje em dia "tem mais sentido", já que, se naquele momento as coisas já não eram boas para a comunidade LGBTQIA+, "estão piores" agora sob a presidência de Jair Bolsonaro.
"O nível de violência aumentou, não só a violência concretamente física, mas a violência verbal. Agora no Brasil estão normalizados os ataques verbais e as ofensas, o discurso de ódio", lamenta.
"Um presidente falar abertamente das coisas de que fala é um incentivo para que qualquer um que antes tinha um preconceito guardado, agora fale ou escreva na internet", acrescenta.
As ofensas de Bolsonaro renderam-lhe várias acusações de homofobia e misoginia.
Este presidente também representou uma falta de apoio do governo ao cinema, afirma Marcheti.
"As instituições de apoio e incentivo ao cinema existem, mas estão paralisadas, nada acontece. O cinema teoricamente existe, mas sem qualquer força", lamenta.
Sob Bolsonaro, os artistas no Brasil denunciam serem censurados, com espetáculos cancelados e financiamentos suspensos, um fenómeno que afeta principalmente as produções LGBTQIA+.
No Festival de San Sebastián, "Madalena" compete na secção Horizontes de cinema latino-americano com outras nove produções ou coproduções da Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Panamá e Uruguai.
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